O Homem no Ralo

E desceu ralo abaixo. Quando deu por si, estava em meio a lágrimas, pentelhos e espuma de xampu. Não conseguia entender como algo assim podia ter lhe acontecido, lembrava somente da rotina de buscar abrigo sob o chuveiro e saborear a água quente que parecia trazer algum alento à alma. É bem verdade que muitas vezes pensou em não sair mais daquele box, mas uma situação daquelas, tão bizarra, não era exatamente o que tinha em mente.

Explorando o novo habitat, no princípio tão inóspito, acabou, com o tempo, adaptando-se a ele e sentia-se cada vez mais confortável. Passou a viver dentro daquele ralo e a moldar o ambiente conforme seu gosto. Deixava passar o que devia seguir em frente e retinha o que lhe interessava. Um mundo novo podia ser vislumbrado naquele ralo e, ali, ele se considerava, finalmente, alguém significante. Fez amizades estranhas, porém sinceras. Crostas, fungos e bactérias, sempre tão confiáveis.... E assim seguia sua rotina. Acostumara-se até mesmo com o odor acre que antes lhe causava tanta repulsa.

Mas enfim chega o dia em que aquele objeto invade e arrebenta com o que encontra pela frente. A haste metálica, curvada estrategicamente na extremidade, consegue capturar emaranhados de fios de cabelo e, junto a eles, é arrastado compulsória e violentamente para fora do ralo. Novamente aquele conhecido e velho mundo hostil do qual pensava ter se livrado se fazia presente e, naquele momento, só lhe restava praguejar contra aquele que, mesmo sem querer, condenou-o a voltar.