O viajante

“A casa sempre vence.”

Como fomos parar ali? Eu não sabia; não me lembrava. Será que estávamos vendo algum filme e atravessamos a tela? Como era possível? O que vejo? Eu me vejo dentro de uma casa; mais precisamente na sala, cercado de pessoas desconhecidas. A sala? Escura, com cortinas roxas, paredes negras e com uma TV que parecia hipnotizar quem ali estava; exceto a mim, que prestava atenção em tudo, principalmente em todos os videoclipes que passavam incessantemente num mesmo canal. Não havia controle remoto; tampouco controle pessoal. As pessoas que me faziam companhia pareciam robôs ou zumbis; o que me deixava altamente assustado. Na verdade, o mais assustador foi perceber que cada uma delas ia desaparecendo toda vez que eu me distraía com um daqueles clipes. E as músicas? Fui notando que todas falavam de “ir ou ficar” em algum lugar e isso parecia um tipo de ironia da casa, “regada” a chuvas e trovoadas constantes numa noite sem fim. Ao passo que algumas pessoas sumiam, outras apareciam por um portal, que rapidamente se evanescia no ar. Eu sentia medo e frio e as dúvidas me deixavam cada vez mais desesperado. De todos, apenas eu parecia “acordado” e de repente, eu acordei. Era apenas um sonho, certo? Sim, de alguma forma, pois quando voltei a dormir naquela mesma noite, lá estava eu no mesmo lugar, mas com pessoas diferentes. Foi então que entendi que, assim como num filme, onde há começo e fim, aquilo que parecia cíclico, deveria ter uma saída, mas isso só era possível por decisão da casa. Assim foi por cerca de uma semana, até que me vi sozinho naquela sala. Eu tremia de medo no meio da escuridão, dona de uma grande interrogação no meu rosto. E sentia falta da minha família, pensando com carinho nos meus entes queridos. Até que ouvi murmurinhos e risadinhas que pareciam de crianças brincando num parque. Aí um clarão se deu bem na minha frente e eu despertei num lugar completamente diferente. Eu estava ao ar livre num lindo dia de sol e um céu de brigadeiro. Eu via pessoas correndo; pareciam brincar de pega-pega e estavam felizes. Uma delas eu reconheci de longe: uma das “prisioneiras” da casa. Dali a pouco alguém se aproximou de mim e me explicou que eu não sairia mais dali; que havia apenas “mudado de cômodo”. Eu lhe disse que precisava voltar para a minha realidade e, interrompido por um sorriso afável, eu ouvi de alguém que passava: “_Agora essa é a sua realidade.” Foi então que percebi que a antiga ferida no meu estômago havia sumido; o que fez a “ficha cair.” Então eu entendi que a casa sempre vence seus jogadores; ainda que esses possam (mesmo sem saber muito bem) escolher seus “cômodos”.

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 01/08/2019
Reeditado em 12/08/2019
Código do texto: T6709614
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