O Doutor Mexilhão e o mentiroso
O DOUTOR MEXILHÃO E O MENTIROSO
Miguel Carqueija
No divã do psicanalista o paciente contava a sua história. Junto à mesa, tomando notas, perguntou o Doutor Mexilhão:
— E aí? O que aconteceu depois que os terroristas explodiram o navio e você foi o único sobrevivente?
— Não foi nada fácil, Doutor Mexilhão! Imagine o senhor que eu tive de nadar três mil quilômetros em águas geladas e infestadas de tubarões, ainda bem que eu sou muito rápido! Em suma, quando cheguei à costa, já bastante cansado, o litoral era tão íngreme que ainda precisei escalar seiscentos metros de rochedo pontiagudo, rasguei as minhas roupas mas consegui chegar lá.
— Até aqui não vi motivo para você me procurar. Por que precisa de um psicanalista?
— É que estou muito grilado, todo mundo, até mesmo os amigos, me chama de mentiroso! Ora, tudo o que eu contei é verdade! Não aguento mais ser chamado de mentiroso, doutor! Isso dói muito! Estou até pensando em acabar com a vida!
— Ora, não diga isso! Eu acredito em você!
— Verdade, Doutor Mexilhão? O senhor me acredita? Que bom!
— Agora conte o resto da história. Você conseguiu se safar, então?
— Sim, mas o senhor crê que os meus problemas não pararam aí?
— Ah, não? O que foi mais que aconteceu?
— Quando eu consegui chegar no platô, um leão enorme e feroz veio ao meu encontro?
— Como você diz? Um leão? Tem certeza?
— Está vendo? O senhor já não está me acreditando!
— Não, não, eu acredito, só quero saber se era um leão mesmo e não um leopardo, um tigre ou uma onça.
— Não, doutor, era um leão mesmo, tinha juba!
— Está bem — e o doutor continuava tomando notas. — O que aconteceu então?
— Ah, eu peguei um pedaço de pau que por sorte estava ali perto e quando a fera se aproximou eu dei-lhe umas boas cacetadas! Ele fugiu choramingando e aí eu pude seguir meu caminho, até chegar na estrada e pedir uma carona! Foi assim que eu pude voltar para casa, mas a polícia não acreditou na minha história e disseram para eu consultar um psiquiatra! Foi por isso que eu vim aqui! E agora, Doutor Mexilhão? O senhor acha que é tudo produto da minha imaginação?
— Não, é claro que não, eu acredito em tudo o que você me contou.
— Acredita mesmo, doutor? Não está dizendo só para me agradar?
— Não, eu acredito mesmo. Só que agora eu vou cobrar cinco vezes mais pela consulta!
— O que? Que história é essa, doutor? Por que uma coisa dessas?
— Muito simples! É que aquele leão manso é meu! E eu gastei uma fortuna com dentista, pois você quebrou três dentes do Sansão a pauladas! Foi preciso implantar três dentes de ouro no coitadinho!
Rio de Janeiro, 24 de junho de 2019.
O DOUTOR MEXILHÃO E O MENTIROSO
Miguel Carqueija
No divã do psicanalista o paciente contava a sua história. Junto à mesa, tomando notas, perguntou o Doutor Mexilhão:
— E aí? O que aconteceu depois que os terroristas explodiram o navio e você foi o único sobrevivente?
— Não foi nada fácil, Doutor Mexilhão! Imagine o senhor que eu tive de nadar três mil quilômetros em águas geladas e infestadas de tubarões, ainda bem que eu sou muito rápido! Em suma, quando cheguei à costa, já bastante cansado, o litoral era tão íngreme que ainda precisei escalar seiscentos metros de rochedo pontiagudo, rasguei as minhas roupas mas consegui chegar lá.
— Até aqui não vi motivo para você me procurar. Por que precisa de um psicanalista?
— É que estou muito grilado, todo mundo, até mesmo os amigos, me chama de mentiroso! Ora, tudo o que eu contei é verdade! Não aguento mais ser chamado de mentiroso, doutor! Isso dói muito! Estou até pensando em acabar com a vida!
— Ora, não diga isso! Eu acredito em você!
— Verdade, Doutor Mexilhão? O senhor me acredita? Que bom!
— Agora conte o resto da história. Você conseguiu se safar, então?
— Sim, mas o senhor crê que os meus problemas não pararam aí?
— Ah, não? O que foi mais que aconteceu?
— Quando eu consegui chegar no platô, um leão enorme e feroz veio ao meu encontro?
— Como você diz? Um leão? Tem certeza?
— Está vendo? O senhor já não está me acreditando!
— Não, não, eu acredito, só quero saber se era um leão mesmo e não um leopardo, um tigre ou uma onça.
— Não, doutor, era um leão mesmo, tinha juba!
— Está bem — e o doutor continuava tomando notas. — O que aconteceu então?
— Ah, eu peguei um pedaço de pau que por sorte estava ali perto e quando a fera se aproximou eu dei-lhe umas boas cacetadas! Ele fugiu choramingando e aí eu pude seguir meu caminho, até chegar na estrada e pedir uma carona! Foi assim que eu pude voltar para casa, mas a polícia não acreditou na minha história e disseram para eu consultar um psiquiatra! Foi por isso que eu vim aqui! E agora, Doutor Mexilhão? O senhor acha que é tudo produto da minha imaginação?
— Não, é claro que não, eu acredito em tudo o que você me contou.
— Acredita mesmo, doutor? Não está dizendo só para me agradar?
— Não, eu acredito mesmo. Só que agora eu vou cobrar cinco vezes mais pela consulta!
— O que? Que história é essa, doutor? Por que uma coisa dessas?
— Muito simples! É que aquele leão manso é meu! E eu gastei uma fortuna com dentista, pois você quebrou três dentes do Sansão a pauladas! Foi preciso implantar três dentes de ouro no coitadinho!
Rio de Janeiro, 24 de junho de 2019.