O Mané surdo
Acho que nunca cheguei a ver o Mané surdo, mas muito ouvia falar dele, por meio de Nininha, que era sua vizinha, e até suavezinha em sua vida de mãe, esposa e de tia de mamãe, apesar da tanta labuta que tinha.
Não me lembra nenhuma observação específica sobre o Mané surdo, se não, na redundância de que não ouvia e sem me conhecer, ouvir de mim, nada podia.
Pai de família, o Mané integrava aquele grupo de referências costumeiras das relações de tia Nininha e de seu marido Zé Redondo, a quem se juntavam também figuras como a Ana do Eusébio, o Santo carroceiro, o Tõe Curto, a Joaninha do Joaquim carteiro, o Antônio Leão - esse vizinho de cerca - de mandacaru, e espinhento pra chuchu - e mais uma outra meia dúzia de personagens que hoje já nem no Google consigo buscar.
Mas o Mané não se via embaraçado para fazer filhos. Se mau de fala, certeiro era no falo. E talvez até um bálsamo para sua senhora que com ele podia ralhar ou tagarelhar à vontade sem ser admoestada, ou de lado largada. E aí surgiu aquele caso da filha bonita do Mané, que fui conhecer, ainda que só de ouvir falar.
Pensei em pedi-la em casamento. Mas se o pai, que não me conhecia, não ouvia, como gastar meu latim com ele, não havia. E cheguei em fazer comunicação gestual, mas quando burilei um gesto que significava do desejo sério e imaculado da boda, recuei da idéia - de imediato, pois não teria como explicar se viesse a ser mal-entendido... Imagine só, você, leitor, naqueles anos setenta, apontar pra moça em frente ao pai, e simular a enfiação duma aliança no dedo...é simplesmente se anular...