O CIDADÃO QUE SE TORNOU UM POLÍTICO HONESTO
Encasquetou que queria virar político. E quando Favas encasquetava, ninguém tirava a coisa da sua cabeça. “Mas você não entende nada de política!”, julgavam uns; “Só conhece a gente. Como quer ser eleito?”, questionavam outros. “Começarei de baixo, me elegendo síndico do condomínio”, profetizou. “Xi! Então vai demorar...”, concluiu o segurança, que em sua guarita assistia à TV Câmara e achava conhecer de política. “Ora! Vão às favas todos vocês! Tô dizendo que serei e serei”, finalizou.
Favas é um dos brasileiros que se indignam todos os dias com a descarada malandragem da maioria dos políticos brasileiros. A diferença é que ele desejava fazer alguma coisa, e tornar-se político significa estar no meio deles e daí mudar essa situação. “Não vou ficar parado, conformado com toda essa nojeira, achando graça da nossa desgraça.”
Foi um dos que bateram panela pelo impeachment, e um dos poucos que admitiram que a coisa ficou pior. Entendia que a presidenta foi destituída porque “pedalava” e decretava créditos suplementares, mas quem ficou no seu lugar forja dados para a economia parecer que vai bem, faz reuniões escusas, desvia dinheiro público para pagar parlamentares e se manter no cargo; só não sai porque os interesses do capital são outros. Mas com ele será diferente. Ninguém terá nada para falar de seu mandato.
Ser eleito síndico do condomínio foi fácil, já que não há muita concorrência nesse tipo de eleição, e por seus antecedentes. Foi o melhor síndico que se teve. Resolveu todos os problemas deixados pelas gestões anteriores, sem aumentar ou inventar taxas. Mandou à fava todos que iam às reuniões para causar embaraços.
A fama de gestor sério, organizado, respeitador, carismático, realizador aguerrido se espalhou pela vizinhança. Favas já tinha votos suficientes para se eleger vereador. “Só vereador?!”, indignou-se seu amigo, cabo-eleitoral. “Calma. Para ser prefeito, preciso ter realizações políticas”, ensinou.
Foi conversar com o presidente do diretório municipal do PQP (Partido dos Queridos Políticos). “Sr. Favas, somos um partido pequeno. Trabalhamos à base de coligações. Tem bastantes interessados em entrar para a política. Damos preferência aos mais antigos no meio, e mais abastados. Mas, se conseguir aos menos 700 intenções de votos e R$30.000,00 para custear a campanha, podemos conversar de novo.” “Foi o que calculei. Mas esperava ser menos; dos dois”, conformou-se. “Tá. E como vocês arrecadam o dinheiro?”, já quis partir para a realização. “Veja bem...”. Depois das explicações, recomendações, comparações, tratativas, filiou-se. Avaliou que conseguiria os votos. Depois mudaria de partido, já que se indignou com o modus operandi desse. “Às favas esse cara!”
Dos ensinamentos que recebeu guardou só os técnicos e éticos. Tinha parte do valor indicado como necessário. “Como conseguir o resto? Aliás, na verdade, será que preciso mesmo de mais? Tenho bastantes intenções de voto. Mandarei imprimir um milheiro de santinhos vetorizados com o slogan: ‘Favas, o síndico que põe ordem na casa’. É. Ficou perfeito”, fechou um olho e fez o movimento do arco-íris com a mão direita. “Mais meio milheiro de botons para grudar na camisa para quem quiser usar no dia da eleição. Tudo isso custará no máximo R$300,00. Eu mesmo vou entregar nas casas. Não para baratear, mas para ter contato com o público eleitor. Não pendurarei faixa para não poluir o espaço público. E gastarei, por cima, dois tanques de gasolina. R$30.000,00... Humpf! Às favas!”
Pronto. Era o candidato a vereador número 69696. Chegado agosto, separou suas caixas de santinhos e botons, decalcou no vidro do carro o poster que ganhou de brinde. “Fiquei bonitão”, pensou arrumando o cabelo. Pegou seu fiel – e único – cabo-eleitoral e saiu à luta. Até o final de setembro, conversou com pessoas suficientes para ser eleito. E foi. Sem prometer favores nem ficar com o rabo preso.
Favas, logo que iniciou seu mandato, teve noção das nuances da vida parlamentar. Imaginava como seria, mas vivenciar o modus operandi deu-lhe nojo adicional. Pior que conhecia ao menos três dos vereadores dos conchavos. Jamais poderia imaginá-los nesse lodaçal. Dos 19 vereadores não era possível ser o único ético.
Lutou com unhas e dentes para evitar o desvio das verbas da Casa. Formou a ala progressista-ética da Câmara. Em parceria com associações e ONGs, fiscalizou os projetos de seus pares e os gastos da prefeitura. Abriu mão de sua remuneração em prol de instituições de caridade, e fez adeptos, incentivando outros a fazê-lo. Sofreu as represálias dignas dos justos, formadores de pedras nos sapatos. “Às favas todos vocês!” Forneceu elementos probatórios ao Ministério Público para extinção de mandatos através de condenação criminal, já que não poderia esperar da Casa a autocassação de seus integrantes. Enfim, fez a diferença.
Favas fez a sua parte dentro do que todos esperam da classe política; o que ele sempre esperou da classe política. Provou ser possível ao político representar os desejos dos cidadãos com ética, dignidade, seriedade, sem envolver os seus desejos particulares.
Pelo reconhecimento do seu trabalho hercúleo, Favas elegeu-se prefeito.
A escada é extensa, mas sabe que chegará ao último degrau, pois manterá, a todo custo, a integridade dos seus valores fundamentais.
“Às favas a corrupção!”