O pomar de Alberto Lúcio
Foi o Alberto Lúcio que, em meio à bebedeira e zoeira geral da comemoração do jubileu de ouro do padre João, cochichou-me ao ouvido o seu pecado de luxúria ao desencavar aquele pomar do Brumado que eu tinha há tempos enterrado. E já o julgava caso encerrado.
Pois é, naquela viela chamada afetuosamente de rua do Quenta-Sol, sem calçamento nem saída, que devia reunir uma vintena de casas da Companhia, quase uniformes, foi que nasci. Nossa casa era a derradeira do chamado lado de baixo da rua, morada singela, sala, dois quartos, cozinha e banheiro, sem passeio até, mas que acolhedora...e inda mais quando se ia pelo quintal afora...Plantado com os abacateiros e mangueiras, em petiz delas eu era senão, um triz. E ainda havia as demais plantas semeadas pelo amor quintalício, duplo vício, de papai e mamãe...
E se de um lado tínhamos por vizinhos o povo do Vicente e da Lia, do outro era um pomar que se estendia. Lote bem cercado, seu interior, de frutas carregado, era também mais que almejado - e inatingível - nosso promitente pecado.
Pertencia à Companhia, a chamada por nós fapa, de Tecidos, em torno da qual se reunia e dependia quase todo o povoado. E os anos eram os cinquenta...ainda bem nítidos apesar da rua ainda tão poeirenta. A construção de uma casa bem fronteira daquele lote importou na remoção das bananeiras, mas preservou as demais fruteiras, por inteiras.
Na nova casa, em estilo mais moderno, que tinha até alpendre, veio viver a família do carpinteiro Duca e de sua mulher Vicentina. Tinham lá uma dezena de filhos e um deles, o Chico, que veio a se tornar il mio caro e inseparabile amico...- até depois de nossa mudança do Brumado para Pitangui, em 1958.
Ao Chico, como aos demais irmãos, pouco parecia transparecer a cobiça à frutaria que tinham no quintal, onde as laranjeiras é que davam mais saliente sinal. Incapaz de pular a cerca, de arame farpado, confesso que pensei em rastejar, só pelo gozo antecipado do pecado...Mas não ia sujar a roupa à toa. A consciência até que podia ser, mas a roupa, lavada e passada com tanto desvelo...
E agora, naquele murmúrio é Alberto Lúcio que evoca aquele jardim de suas delícias - e quiçá veniais delitos infantis, ao perguntar-me se acaso eu lembrava daquele dourado pomar... Alberto vivia a infância em Pitangui e quando ao Brumado levado, por seu pai, filho do gerente da Fábrica, passava ao largo de meus dramas de consciência. Podia trepar e chupar sem ter que, a não ser pela gula, se penitenciar...