A ENSECADEIRA
ENSECADEIRA
(para quem não sabe ,significa o local onde um rio foi desviado para construção de uma Usina Hidroelétrica)
Estava soterrado sob toneladas de pedra ,a sessenta metros da superfície ,em uma campânula de aço de forma esférica. Ouvi as ultimas partículas de terra se assentarem e uma poeira descomunal tomou conta do recinto escuro ,onde mal conseguia abrir os olhos. Aquela explosão não estava prevista, alguma coisa saíra errado, pensei enquanto ria baixinho, era assim que fazia quando me encontrava em situação difícil ,ria de puro nervosismo ,as mãos tremendo , o coração disparado , enquanto esperava inutilmente um som salvador pelo lado externo daquela couraça metálica. Os minutos passavam lentamente ,pareciam horas intermináveis ,nenhuma sinal de vida no lado de fora ,daqui há poucas horas começarão a concretagem das bases das turbinas ,raciocinei aterrorizado .Isto significava ,e só de pensar nisso me dava calafrios, que ficaria ali para sempre ,naquele estranho jazigo, sob toneladas de concreto da ensecadeira,no miolo da Usina .Acho que desmaiei, perdi a noção de tempo , só agora vejo que tenho o corpo ,da cintura para baixo ,preso nos escombros e ,devido a poeira, não paro de tossi r. O silêncio e a escuridão parecem palpáveis, as horas parecem dias infindáveis , a sede e dor provocam alucinações ,parece que ouvi uma batida metálica. Seriam eles? Estariam chegando? Novamente o silêncio respondeu com outro silencio e logo a esperança deu lugar as sombras da dúvida e do medo;_ Estariam a minha procura? Teriam dado por minha falta?Estariam na minha busca? Se demorassem muito, não iria resistir. Aquela tosse crescia incontrolavelmente e aos poucos ia sentindo-me asfixiado , as narinas arquejavam , a dor no corpo aumentara tanto que gritei , mas de minha garganta saiu apenas um urro ,rouco e fraco, que mal ecoou nas paredes de ferro .Sentia a poeira colada nos pulmões ,minha sede era dolorosa ,não sabia quanto tempo estava ali, ainda havia esperança ,eles poderiam chegar a qualquer momento e me retirariam daquele buraco nojento, onde me sentia como um rato encurralado ,naquele momento percebi que na verdade minha vida não valia mais que a vida de um simples rato, até senti inveja deles pôr estarem soltos e livres.Com muita dificuldade tentei me mexer, depois de movimentos lentos e dolorosos, mas não consegui soltar meu corpo dos detritos e logo vi que não conseguiria sair , estava muito preso e machucado .Avaliei ,mesmo na escuridão absoluta e poeirenta, que a superfície metálica foi atingida na sua parte superior pela avalanche de pedras que invadira o recinto , mas foram contidas pôr um enorme pedaço de rocha que fechou como uma rolha o rombo da couraça. Paradoxalmente, salvou a minha vida ,mas me condenou a uma morte anunciada, lenta e dolorosa ,enclausurado como uma rato( ou seria um peixe?), naquela ensecadeira maldita.
Acho que dormi ,ou desmaiei novamente ,não sei bem ao certo ;acordei com a sensação de ouvir uma raspada metálica ,mas logo vi que delirava e tinha febre alta ; a sede aumentava a cada instante, a poeira, que ameaçara arrebentar meus pulmões, não baixara .Calculei ,com a mente em turbulência ,que estava ali por quatro dias .Os engenheiros da Companhia, por certo ,já sabiam do acidente e estavam procurando uma maneira de retirar-me daquela clausura .Ou não ? Por que não chegavam logo? O cronograma da obra estava muito atrasado ,outro dia parado o prejuízo seria incalculável. A vida de um peão barrageiro como eu, valeria tanto? Será que parariam a obra ? Senti que estava muito enfraquecido, respirava com dificuldade, a tosse não cedia, as dores aumentavam. Somente doido para entrar naquele poço sem fim, quente como o inferno ,mas eles pagaram-me dobrado, deram-me vantagens ,alojamento,quentinha ...como resistir? Lembrei-me ,sem antes sentir um frio percorrer a espinha ,das estórias que a peaõzada contava ,dos corpos que jaziam na mistura de concreto e aço, sem direito a extrema-unção ,desaparecidos para sempre. _Será que chegou minha hora ?Falei comigo mesmo, com a voz quase sumida, trêmula de pavor. Não ,confio na Companhia ,ela dará um jeito de tirar-me deste maldito buraco ,pensei ,enquanto era acometido por um violento acesso de tosse, parece que desmaiei outra vez.
Quando voltei a mim ,percebi imediatamente que a poeira tinha desaparecido . No alto do teto metálico, onde houvera a explosão ,meu coração encheu-se de alegria ,via-se uma tênue luz azulada. Eram eles ,finalmente tinham chegado , vou sair desta terrível ensecadeira .Passado alguns segundos ,aquela luz foi se tornando branca , e aproximava-se de meu corpo que já não sentia mais dor e não tossia mais; formou-se um túnel de luz branca em minha volta ,pareceu que meu corpo flutuava através dele :ganhei velocidade e mergulhei numa espiral ascendente, sempre mais rápido ,o túnel cada vez mais branco ; de repente ,as paredes foram se afastando, foi-se revelando uma paisagem serena e tranqüila, onde pessoas andavam e conversavam alegremente ;um pequeno grupo aproximou-se amistosamente ,vi que eram pessoas amadas e conhecidas :meu pai, meus irmãos ,tios, avós,primos...Oh! Meu Deus! Gritei ,com os olhos arregalados ,mas todos vocês estão mortos...Só então percebi que não tinha resistido.
Zeca Repentista .