Pintinha

Cine Cetepense era um tanto pomposo para a nossa realidade do dia-a-dia, ou mesmo da noturna magia. Era cinem da fapa, o que a gente dizia. E, nos dias de sessão, pressurosa lá acorria.

E era o entretenimento, nosso quase espiritual alimento. E logo depois da janta, com o rádio em cadeia na maçante Voz do Brasil, e antes ainda de o Direito de Nascer, ou mesmo de com tevê sonhar, era pro cinema da fábrica que a gente se mandava. Empertigado, à porta, o narigudo Pedro Xavier tudo fiscalizava. Tinha que ser fio de operário ou eventualmente algum mais bem vestido citadino para ter acesso sem ingresso.

Havia uma média de duas sessões por semana e a casa, limpinha, com singelas cadeiras de pau ia se enchendo como o dilúvio à volta da arca de Noé. A maioria dos frequentadores era a meninada, em boa parte e arte, já prestes a iniciar-se nos caminhos e cantinhos de Cupido. Sem dinheiro, mas também sem nem pipoqueiro...

Pedro, que além de porteiro fiscalizador fazia-se de projetista só ficava exigente quando havia censura anunciada. Uma das mágoas que curti foi quando dono de quatorze anos completos deixei de ver Molokai, a Ilha Maldita, por não aparentar a idade que jurava ter. Não houve recurso para o demover. E mais doeu ainda ver entrar sem embargo, a morena Cleusinha, com seus doze e um par de mamazinhos insinuantes.

Mas fiquei só na praga rogada ao Pedro. Que se pegou, foi só na sua arcada, de onde nunca surgiu um dente sequer. E continuei vendo Calibre 44, Hatari, O Gordo e o Magro, A Casa dos Maus Espíritos, Os Mil Olhos do Dr Mabuse, Tarzan - ainda fraquinho, anterior ao Johnny Weissmuller - e a Deusa Verde... tudo em preto e branco, e engolindo a frustração de não ter visto a lepra pegar o Padre Damien em Molokai - e, o que mais doía, a total indiferença de Cleusinha...

Bem que uma menina dengosa que, suponho, conhecedora de meu sofrer, tentou consolar-me chamando-me, timidadamente, de Pintinha. Assim, no feminino, gente. Numa a alusão a uma pinta semelhante a uma casca de feijão marronzinho que eu tinha no rosto, no canto esquerdo a boca. Pero donde estaba el coraje para enfrentar el nuevo reto? Por supuesto en la pantalla, en las aventuras de Pedro Armendáriz, o de Lallo González Piporro...

Mais excitante que o cinema, no entanto, só o circo, ou um parque de diversões, que ocasionalmente chegavam e se instalavam na pracinha frontal ao Cetepense. Mas durável mesmo, e não a esmo, só o cinem da fapa.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 06/10/2016
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