Molhos de ressaca

Fui muito pouco ao Rio de Janeiro, para quem vive num estado vizinho e tinha até pretensão de estudar lá. A estada mais prolongada foi de uns dois meses, final de 75 e início de 76, quando, prestando a fase final de um concurso, garrei mesmo foi com os livros. E o entretenimento que busquei, malogrou quando fui ao Maraca ver o meu Flu levar de quatro, todos de Zico, do Fla. Flacasso...

Mas o Rio de meu encanto, e meramente de passagem, foi mais que a estonteante paisagem de que a natureza tão amplamente dotou - e adotou - a cidade. Foi numa ida ao outeiro da Glória, sentar-me numa mureta do adro da igrejinha e ouvir uma Ave-Maria. Gounod, Bach, não sei situar-me. Sei que tinha tomado dois chopinhos, e que aquilo foi mais que Chopin.

Sei que me pus a pensar na obra de Machado, Dom Casmurro, e imaginar o atlético e desafortunado Escobar desafiando a ressaca. Capitu "havera" de ter chorado. Mais razão também teve para buscar a reaproximação com seu Bentinho. O mar, porém, pode vir pra bem. Duvidá-lo, quem?

Mas a ressaca do Rio pegou de cheio aquele trecho da ciclovia, que, ao que li, tem um histórico de fatalidades. Foi lá que o então beque do Fluminense, Ari Hercílio, na empolgação com a pescaria, avançou mais do que a ponta da vara, e foi tragado pelo furor das águas.

E com esse Rio tão belo e tão louco, que fez Dom Orani decretar a enfermidade da cidade, é que a gente suspira. Ou pira,já?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 12/06/2016
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