O menino e a Kokeshi

Era uma vez um menino que nascera com um dom. Ele enxergava as pessoas de uma forma diferente ele via além do que elas mostravam. Para ele, todas pareciam transparentes. O menino cresceu e nunca entendia porque as pessoas tentavam tanto esconder o que tinham por dentro. As vezes ele ria disso porque ele sabia que por dentro todas quebravam e se consertavam e eram iguais. Mas as vezes, na maioria delas, ele sentia se profundamente triste porque via muito além do que devia ver. Isso fazia com que o menino pensasse que não merecia a felicidade.

Por esse motivo não se aproximava muito das pessoas.

Como ele se sentia sozinho saiu para buscar algo que o confortasse da solidão e em meio a uma tempestade de incertezas e belezas encontrou uma linda boneca japonesa abandonada sobre as pedras de um caminho. O rostinho delicado da boneca lembrava a delicadeza da primavera e o seu temperamento frio ficava por conta da porcelana rara de que era feita. Naquele momento, uma trombeta soou no coração do menino. A boneca sorriu de volta para ele e no encontro desse olhar nasceu um universo. O menino se apaixonou.

Todas as vezes que ele via coisas tristes demais nas pessoas ele corria para o encontro de sua tão estimada boneca e saia com ela a noite para se alimentar de estrelas. E a dor passava por um tempo...

Os dois se tornaram inseparáveis porque a boneca via nele o seu protetor, seu samurai.

Quando não havia fome de luz alimentavam se de sonhos e sóis.

Mas teve um dia que o menino fora arrastado por seus olhos para dentro de sua própria alma e ali ele ficou confuso em meio a tanta visão entulhada, a tanta palavra guardada em tantas visões perturbadoras, então por segurança trancou a boneca num armário dentro de seu coração.

Uma era inteira se passou, e muitas vidas haviam sido vividas, algumas delas em apenas um dia. Outras...levaram longos séculos...

Quando ele finalmente conseguiu sair de seu próprio labirinto viu que havia esquecido a pequena boneca.

Então, ambos foram se esquecendo de si mesmos até que o menino desistiu de se alimentar de estrelas porque nem galáxias o mantinha mais e a boneca foi perdendo a cor e os traços e tornando-se apenas porcelana.

E por se tratar de porcelana tão rara a boneca triste por ter sido esquecida...se trincou.

O menino por não se perdoar de tão imperdoável esquecimento não tentou resgata-la por medo de não receber perdão.

E assim a porcelana da boneca foi-se esfarelando...

E esfarelando... e esfarelando...

Até que um dia seu sorriso apagou-se de vez... e foi neste momento que o menino sentiu seu coração rachar-se por completo virando pó e explodiu...

Aquela poeira de pó de coração juntou-se a poeira da porcelana da boneca e num redemoinho feito de cores vivas e um brilho azulado transformou-se e expandiu-se em pó de estrelas... tamanho sofrimento, amor e perdão colidiu com o universo transformando em uma galáxia de estrelas únicas!

E nessa expansão menino e boneca viram-se novamente pela primeira vez depois de muitas eras... desta vez, o menino não sofria mais com a transparência das pessoas pois ele mesmo era transparente como o ar e sua amada boneca agora uma estrela tão viva e brilhante já não sofria com sua dor.

Então ambos se uniram ao infinito alimentando-se apenas do que sentiam um pelo outro.

Nota:

A Kokeshi 小芥子 ou こけし- são bonecas japonesa no norte do Japão.

Sua verdadeira denominação original seria “子消し”, significando “crianças perdidas“.

Simbolizam a alma das crianças falecidas com morte pré-matura, ou antes de completar os 12 meses de idade.

Elas teriam sua alma fixada nas tradicionais bonecas, para que não se sentissem perdidas na situação além morte.

São, a maioria, feita em madeira, e a característica das Kokeshi é a falta de braços e pernas como as Matrioskas.

Dizem que estas bonecas surgiram entre os anos 1600–1868 para serem vendidas como souvenires e como as Matrioskas, conforme os padrões de pintura dá pra saber onde forem feitas.

Há onze tipos: Tsuchiyu, Togatta, Yajiro, Naruko, Sakunami, Yamagata, Kijiyama, Nanbu, Tsugaru, Zao-takayu, e Hijioro.

O tipo mais comum é o Naruko, original de Miyagi.

Os japoneses, especialmente da Ilha de Okinawa adotaram o costume de usar a boneca em cerimônias de enterro ou crematório de seus entes queridos.

Os familiares mantêm a boneca sobre as lápides ou em casa quando o corpo é cremado.

É também tradição adotar bonecas “abandonadas” com a justificativa de boa sorte no lar.

E para alegrar o espírito da criança que está retido na boneca, é tradição oferecer frutas, doces, brinquedos e origami mensalmente no dia da morte da criança, evitando assim azar ou maldição.

Fonte: https://lobodaestepe.com/2012/05/01/mastrioskas-babuskaskokeshi-a-historia-das-bonecas-russas/