E não foi o preto

O Brumado era pequenininho e a casa de vovó, mais central, não ficava longe da nossa não. Espaço de uma quadra e meia, ou de meio quadrão?

Mas o vilão que provocou toda aquela matinal comoção foi logo o feijão.

E Tibebé, que andava se aproximando do meio século de existência, e quase trinta anos de empregada na fábrica de tecidos, chegou em nossa casa de capanga de pano à mão - estavam longe de aparecer no mercado os sacos plásticos - vazia, como não lhe soía. Havia ido ao armazém do Zé Chave fazer compras e, ao lhe anunciarem o novo preço do feijão, saiu atarantada. E com a mais justa razão.

E nem passou pela casa de vovó e sua fratenidade solteira, subiu direto pra nossa casa onde papai, o seu mano Luiz podia dar jeito naquela zoeira. E foi-lhe direto ao ouvido, mal nossa porta de entrada abriu num alarido:

- Luiz, o mundo tá acabando: o feijão mulatinho, que era de 16 cruzeiros, passou pra 20, o quilo. Como é que nós vamos fazer?

E o choro foi convulsivo.

Papai que, cercado por uma penca de filhotes, cuidava dalguma domesticidade naquele instante, tarefa que sempre alternava com mamãe, como se alternavam nos turnos de trabalho na fábrica de tecidos, ouviu atento à irmã Isabel, que lhe levava quase quinze anos de senioridade cronológica, mas que tinha um histórico de fragilidade emocional, e que agora, no feijão mulatinho via o fim, sem salvação.

Tentou explicar-lhe o problema da sazonalidade da entressafra, mas teve logo de usar argumentação mais ao alcance do entendimento da queixante. Acho que até concordou que o fim era inevitável. Mas que estava ao lado dela para o que desse e viesse.

Falou no quintal bom que tínhamos e no espaço que ainda dava para samiá o mulatinho lá. E do pintadinho ou do preto até, mas neles a gente não botava tanta fé. Falta do hábito, sacumequeé. E com rapidez a planta cresceria. Junto ao milharal então é que era inda maior maravia.

Sem um pio dar, mas com tudo a observar, cheguei a pensar num pé daqueles que deu na história de Joãozinho e o pé de feijão, que chegava até o céu, conforme papai nos contava de quando em vez. Se não desse gigante, que atrapalharia a colheita.

Pacificada, Tibebé voltou a rir até. O céu ia poder esperar. Hora era de ao Zé Chave voltar. O almoço, vovó já estava prestes a cozinhar.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 16/03/2016
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