Polacolor

Nos plúmbeos anos do comunismo sair para fazer compras na Polônia não era das atividades mais gratificantes. Sobretudo para uma mulher. Dos comestíveis à moda tudo era racionado, de tamanho exagerado, ou simplesmente, esgotado. Mas, vivendo em Varsóvia no início dos anos oitenta, Lina conseguia vez por outras achar alguma coisa interessante. Assim que quando chegou lá em casa com aquele aparelho de chá japonês, duma porcelana delicadíssima, e a imagem translúcida e insinuante do rosto duma gueixa no fundo das xicrinhas, eu cheguei a pensar até em dar um boicote no café.

Impactante também foi o quadro que ela trouxe, óleo sobre tela, meio rústico mas não menos expressivo duma cena de homens atléticos no interior de algum palácio. O quadro de aproximadamente um metro por setenta, ela me convenceu, era para presentear nosso recém-chegado Embaixador e Senhora, uma praxe à época.

O Embaixador, meão de estatura, e deão de onisciência e cultura, na casa de seus 65 anos, cometia seus poemas escritos na língua de Shakespeare, de quem, admitia reservadamente, achava-se admirador e par. Lê, leitor amigo, Elegies of Lesser Sierras, ou The Shadows Within, e saque suas próprias conclusões. Na noite da poemia, todos os liter(g)atos são bardos...

À recepção do mimo, na Chancelaria da Missão, o Embaixador porejou educados entusiasmo e apreço. Recebi um obrigado e um aperto de mão cerrado. Sua Excelência até chegou a comentar que a cena apresentada no quadro parecia-lhe muito retratar uma apresentação de credenciais, de emissário estrangeiro numa corte, em tempos medievais. Bem em consonância com a profissão que ambos abraçáramos.

Uns poucos dias apenas daquela ritualística outorga, eis que Lina, de nova visita à loja de antiguidades, traz-me a novidade de que vira, para sua e minha surpresa, o mesmo quadro lá exposto. Não podia ser outro. Não era incomum a citada loja trocar objetos sob certas condições. E Lina não hesitou, simplesmente o recomprou.

Na semana que se seguia, tínhamos mais um compromisso forma e rituall a ser desincumbido: justamente receber o casal, chez nous, para um jantar. Com o quadro na parede.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 16/03/2016
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