As bolinhas de Maurício

Primo Maurício era aquele menino rechonchudinho, dos olhos verdes, cabelos negros cacheados, um encanto de guri, conquanto dos mais mimados. Era dois anos mais novo do que eu e um mais velho que o mano Beu.

Nos nossos primeiros anos de vida em Pitangui, custosos e gostosos que nem digo aqui, as visitas a parentes eram uma forma de inserção na sociedade local e diversão, o escambau.

Mamãe, sobrinha de Nininha - a mãe de Maurício - ia ver a tia quase que por obrigação e vício. Nininha, caçula de uma numerosa família de Freitas, à sobrinha Zezé ficara muito afeita, pois em tenra idade de onze pra doze anos, se não me atacam os enganos, mamãe ficara órfã, sozinha, mas fã de tia Nininha.

O papo que travavam, sob a supervisão de José, marido de Nininha, era em geral sobre a educação dos filhos, fatos e atos cotidianos e não muita coisa transcendente, a não ser, por exemplo, a inconveniência de se varrer os pés de alguém, deixar um sapato de bruços...E embora a esperança de que o café fosse tardar mais, o desidério não se materializava: uma hora ele vinha e mais doce que o caldo da caninha.

Geralmente requentado, era servido de morno pra frio, com algum tira-gosto na forma de docinhos feitos em casa, ou pirulitos da mesma gênese. E a tudo o café sobrepujava e sobrepuxava em doçura.

Os folguedos faziam-se no quintal, a rua parecia demais buliçosa e incitante a uma criançada folgosa e de néscia inércia. E tome prosa. E quando fui apresentado à coleção de bolinhas de gude do primo, extasiei-me diante daquele aliciante mundo de cores, encasteladas num vidro translucente. E podia até pegar nelas...Bolinhas de Maurício, será que ficariam seqüelas?

Mal voltamos para casa - que ficava a umas quatrocentas jardas de distância da casa de tia Nininha - eis que ela bate à nossa porta: aquela bondosa e honrada alma estava em polvorosa: haviam sumido alguns exemplares da coleção do filho, desconsolado, o peralvilho.

Não me lembra agora - convenientemente - se fui encostado na parede e argüido. O que restou, se o caso ali não se encerrou, foi um estremecimento nas relações de tia e sobrinha, e respectivos maridos.

E sem a ajuda minha, cinquenta e nove anos decorridos, salvaram-se mocinhos e banidos, de ânimos e feitos nunca bem esclarecidos...Ora, bolas...

Criquei!

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 12/11/2015
Reeditado em 20/12/2022
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