Quiconque é uma delas
O livro chamava-se Le Français au Gymnase, era maior do que os seus pares nas demais disciplinas, tinha capa dura, e umas ilustrações horrorosas. E a mestra, que parecia emersa daquelas páginas, dona Lenita, não sem razão, acabou ganhando o apodo de Le Pupître - que nenhum aluno, entretanto, ousava declinar em voz minimamente perceptível.
Afinal, uma mera olhadela no livro era bastante para evocar os tempos terríveis da revolução francesa. E no entanto, nem chegava a ser perversa Dona Lenita, nem era tão intransponível a língua que se propunha a ensinar.
O francês com que hoje lido, suficiente para ler um Monde, ou pra posar de Visconde, mais de cinquenta anos passados, parece todo ali contido.
Havia alunos que tinham imediata ojeriza daquele linguajar estranho, que requeria tanto exercício labial - tanto cuzinho de galinha, para se ser mais explícito. Eu, contudo, sentia fascinação por estar dando passos iniciais naquele universo onde tudo era novidade, ainda que com ar de mofo.
Vi palavras e expressões ali que me acompanham fielmente até hoje, mesmo que eu ainda não tenha adquirido a auto-confiança para usá-las no seu sentido mais apropriado. Quiconque é uma delas, que nunca empreguei nos poucos rabiscos que tenho cometido, mas sinto que sua hora há de chegar.
E que não dizer do On cherche un homme heureux, título do artigo de algum célebre escritor que acabou convencido de sua tese, infeliz, porém satisfeito de não ter tido o fim de um Robespierre, na forca, ou de um Marat na banheira?