Oh, dores doutrora?
O Tico entregava a lenha sempre com algum atraso. Culpava o carro de boi, a dificuldade cada vez maior de achar o produto numa boa distância, mas garantia que o carreto dava quatro metros cúbicos. Jamais disse a palavra cúbico, a não ser sílaba por sílaba - mas pra quê gastar o latim, se a lida com lenha é sempre assim?
Mal jogada a lenha por sobre a cerca de frente de nosso quintal - que na época era só tela - e recebidos os seus honorários, o Tico se mandava, agora já sem o cantar das rodas do carro vazio. E cabia a nós, trêsou quatro pivetes, aí incluída a mana Bebel, a tarefa de empilhar a lenha.
Que vinha em várias espessuras, ainda por se ressecar completamente, e as toras, diferentemente da galhada mais miúda, eram poucas - e pesadas. Umas duas horas de serviço, coincidente com o cair da tarde - e o esquentar da água na serpentina, pro chuveiro - era o que bastava para botarmos a pilha arrumadinha. Uns arranhões, alguma 'ferpa', mas nada que um mercúrio cromo não breiasse de vermeio com
promessa de cura.
E tinha pau pra muita obra. Uns eram da casca lisinha, retinhos, e uma gostosura de se manejar, tal qual um galho de goiabeira. Já outros eram mais rugosos - e até perugosos, ou perugozosos? O carvalho,
avermelhado, era assim. Sua casca era uma lixa. Mas que é de que a gente podia se lixar praquela ameaça? Cabia laborar - e empilhar.
O gostoso, contudo, era o cheiro de árvore, inebriante, que impregnava, enquanto a gente suava. Mas por pouco. Logo vinha o sabonete Palmolive, ou o sabão preto mesmo, que com ele não combinavam...