Quadro grego
Não era único o Nico: eram seis os Antônios, como ele, naquela primeira série ginasial de 1962. Mas tinha duas vantagens sobre os demais: era o primeiro da classe, ao menos na ordem de chamada, e o mais alto - de toda a rapaziada. E, de lambuja, de toda uma safra de jovens ginasianos, dos cadetes aos decanos.
Um metro e noventa de dois. E sem saber se mais viria depois. Para um rapaz de seus 14 pra 15 anos, era 'head and shoulders' de vantagem. Havia desvantagens também, no comportamento infantil assaz para já um baita rapaz. E o resto que ficava pra traz? Era sem jeito pra educação física, para a natação e o futebol. E o escasso apreço pelos
livros em nada compensava no que naufragava.
Mas se ojeriza houvesse - e sempre se a ouvia - era quando alguém, por apelido descortesia lhe cometia: Nico Mula! Coices voavam. A razão desse apelido nunca me ficou bem clara. E tampouco procuraria aclará-la agora que o tempo tanta pátina acumula. Afinal, quase todos nós éramos agraciados com os apelidos mais jocosos possíveis. E a bestialização era o de menos.
Nico era filho de um abastado, ou assim dito, ex-fazendeiro que se mudara pra cidade para educar os filhos, dos quais era Nico o caçula - e o mais avantajado de uma moçada bem nutrida e mais comprida. Joaquim era o nome do pai que por razões aparentemente estéticas e gráficas veio a ganhar a alcunha de Joaquim Foição. O apodo tudo dizia, e se gritava, era daquela pronunciada da silhueta de foice, ainda se
exaltava um pomo de adão respeitável. E o filho ao pai saíra, sinal de que o bom gene, por perene, não traíra.
Num dos primeiros dias de aula - eu que quase tudo tinha de oposto ao Nico fui-me assentar na segunda fila de carteiras e, na primeira justamente, tive o monumental Nico pela frente. Sem poder ver o quadro ou o professor, um Morato histórico e historiador, fui pedir ao
colega que abaixasse a cabeça. Aí, Nico a parte, foi a classe em peso que caiu em cima de mim: "...que bobagem, só pra ver homem...". Respondi timidamente que era o quadro. Mas grego o quadro já era...