O gesto do Zé Francisco
Éramos meninos, sem termos ainda alcançado a casa dos dois dígitos de idade. E a escola figurava no centro de nossas relações e ralações com o mundo que se estendia além dos portões de nossas casas.
O vizinho Edinho, menino nascido e criado na cidade, tornou-se meu companheiro, quase inseparável naqueles anos primários, de flertes com a liberdade. Não chegávamos a ser amigos, e menos ainda confidentes, mas andávamos como uma junta de bois sob uma canga. Nossos passados ainda que tão frescos não se mesclavam, eu que viera do povoado, diante daquela urbanidade do Edinho, que tinha
irmãos já adultos, um pai ferroviário e até tv em casa.
Já o Zé Francisco, esse era meu par e conterrâneo, agora também na cidade, mas andava por outras bandas, outra escola que frequentava, filho único que era de uma gente de Aguiar, com seus cachos negros, dentes bem separados, e o inseparável guarda-solzinho preto, mas só pálida imagem de seus traços mouriscos.
E o Edinho, briguento que era, sempre me poupava, no entanto, mas raramente passava uma semana, no caminho de volta da escola, sem provocar uma contenda com qualquer miúdo que lhe atravessasse o caminho. Era mais uma luta do que briga. Mas arranhados, uniformes rasgados e xingação eram os mais óbvios resultados.
E nada fiz pelo Zé Francisco. Nem ao menos me ofereci pra segurar seu guarda-chuvinha. Ele mesmo foi reticente pra aceitar a luta. Mas não fugiu. E nem podia, depois daquele gesto com que respondeu à provocação do Edinho: juntou as duas mãos, indicador com indicador, polegar com polegar e ficou aquela imagem meio losangular que saltava aos olhos até de inocentes, que nunca haviam mais que imaginado a cousa.
E com o gestobsceno veio ainda um palavrão, nada ameno, tipo vai tomar etc e tar. E prélio se seguiu. E não, se não alguma manga de camisa ruiu, pouco mais que orgulhos feriu. Estavam quites os dois titãs. No hard feelings...