A ILHA

Ruínas de uma construção grega, naquela ilha pequenina, perdida no meio de uma profusão de ilhotas na costa australiana, não combinavam muito, pareciam partes confusas de restos de mundos, sobras de memórias de diversas histórias.

Imaginar colunas gregas alquebradas, de um branco amarelando, ainda com uma certa imponência, presas fortemente no solo fértil, repleto de verdes e frutas, sob um céu azul branco de nuvens, e um soturno vento sibilante e quente. Os animais dessa ilhota, eram na sua maioria pássaros de suaves cores, mas, não eram canoros, se comunicavam por sussurrantes pios metálicos, quase um código Morse, estranhas aves.

Outro sinal, da passagem de gregos pela ilha, eram pequenos bustos de guerreiros em togas, esculpidos em mármore, havia pelo menos, uns seis deles espalhados por lá. A areia ao redor, era escura, coberta de conchinhas miúdas e cortantes, muito afiadas, perigosas para pés descalços e desavisados. Uma cabana, que combinaria mais se estivesse localizada na Polinésia ou na Tailândia, toda de palha, piso de terra, móveis rústicos feitos de tronco, roupas gastas, dois pares de talheres, alguns facões, uma rede e esteiras, um gato preto, de rabo curto, olhos verdes bem claros e com orelhas tão grandes que mais parecia, híbrido de coelho.

Um único morador naquele lugar, um homem de seus quarenta anos, pele clara, mas, curtida pelo Sol, olhos castanhos muito claros, porte militar, estatura alta, quase 1.90m, cabelos acinzentados e traços tipo perfil de grego, tinha a aparência de um pirata sem barba ou bigode e também não tinha tatuagens. As cicatrizes que tinha nos pés, eram causadas por distração com as conchinhas, quando empurrava o barco ao sair para pescar.

Um militar, fuzileiro da Marinha italiana, insatisfeito e decepcionado com certos ardis numa missão, fugiu para não compactuar com atitudes, com as quais, não concordava, preferiu se isolar e viver da natureza. Com seu treinamento, estava se saindo muito bem há doze anos, a ilha parecia não ter dono, talvez nem constasse de mapas, nunca nenhuma embarcação passara próximo dela, era uma vida tranquila e vazia. Seus orgulhosos pais já o davam como morto, há algum tempo nem sequer pensava mais neles, não sentia remorsos ou saudades, era um corpo saudável de um eremita solitário.

Sua diversão era descontar o tempo, a cada dia, estava um dia mais novo e esquecia o último dia vivido, só pra criar novas memórias, para esquecê-las depois, só ele mesmo, podia fazer aquela conta insólita. 

Todos os dias eram iguais, o gato preto era como ele, quieto, caçador e solitário, rodeava seu companheiro de ilha, mas, era afeito à carícias, parecia só passar por perto, para saber se ele ainda estava por ali, apenas isso. 

Os dias iam passando e sendo esquecidos, peixes, frutas e raízes, gato preto, mais um dia vivido e menos um pra lembrar, e prosseguia ou ia para trás, ele já não sabia mais, não proferia uma única palavra há muitos anos, já nem conversava com seus próprios pensamentos, agia apenas por instinto. 

Num daqueles dias, iguais aos outros, uma pequena balsa encalhou do lado esquerdo da cabana da pequena ilha, dentro um menino de seus cinco anos de idade, claro com a pele um pouco machucada, pela exposição solar e desmaiado, de onde teria vindo aquela criança?........nenhuma embarcação à vista.......será que ainda estava viva?........melhor verificar.

Ao pegar o corpo frágil em seus braços e virar sua cabeça para si, viu um espelho ao invés de um rosto, a imagem refletida, era estranha, não mais se reconhecia, em sua mente apareceu um forte clarão de luz e que logo se apagou. Pela tardinha, naquela ilhota insólita, um animal preto, híbrido de coelho, encontrou na areia ao lado de um espelho, o corpo frio, de um ex-combatente, sem idade, sem memórias, perdido no espaço do tempo, derrotado em sua última batalha, 



Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 06 de junho de 2015.
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 06/06/2015
Código do texto: T5268034
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.