Na ponta da língua
Esta expressão, não tem mistério, na constância que vem associada às sacras coisas do magistério. E da docência, é frequente exigência. Saber tudo na ponta da língua. Senão, cê vai à míngua!
E quantas vezes guardamos aquela vaga noção, ou até uma convicção certeira, mas na hora de soltar, vem a tremedeira, a inibição - e o pérfido olhar da reprovação. Da Mestra e da turma, que maldição!
E de revés em revés, pode ser que a lição doutra forma se aprenda, pois também, a ponta da língua, outros usos tem, e a adolescência os conhece bem, e sabe o que lhe convém. E só precisa de um pingo de juízo pra não usá-la em próprio prejuízo...pois é curta a distância
do inferno ao paraíso.
Mas, o Marcos Raul, Mahfifi, foi que me ensinou outro uso muito específico para a ponta da língua. Mahfifi foi meu colega desde a primeira à quarta série ginasial, garoto aparentemente franzino, cabelos lisos, aloirado, filho de um Gabriel Ribeiro, o Fifi, homem que já tivera uma fábrica de laticínios de grande movimento nos anos cinquenta e que agora, nos sessenta, fábrica fechada, empatava suas economias para educar a numerosa prole na cidade - enquanto, já passado de maduro, buscava uma colocação, um emprego condigno a um homem de sua talha.
E o Ma´fifi, alheio às peripécias profissionais paternas e aos diuturnos e enfadonhos deveres escolares, seguia aperfeiçoando sua técnica - de que me fez seu discípulo - com estonteante precisão: cuspir à distância. E para tudo, a ponta da língua, curvatura, rigidez, projeção, tinha o seu sentido, ao permitir dosar força, direcionamento e volume à carga a ser deflagrada. E de cusparada em cusparada fomos acertando todos os alvos. E pagamos nosso preço: faltou saliva pra cantar as
meninas de nosso apreço...