Mijoleira
- Se lhe dissesse que vivia sonhando com uma, você me acreditaria?
- É, todo menino, imagino, antigo, há de ter sonhado com uma, apesar
do perigo.
- Mas se lhe disser que já tive uma em minhas mãos?
- Ah, aí também não. Tinha melhor conceito de você...
Pois é, esse diálogo poderia ter-se passado há mais de meio século, como ser coisa de poucos anos, hodierna, não fosse só George e Saddam aprontarem tanta baderna...
Mas sobre a mijoleira, primeiro muito me informei. E, apesar dos riscos
- uma que meu pai fez de cano de guarda-chuva rachou ao meio ao
primeiro tiro - a vontade de ter uma armazinha de brinquedo, mas que
matasse passarinho de verdade era uma permanência renitente e
impertinente. E o pior é que os guarda-chuvas de antigamente eram
muito mais fortes do que os de hojindia, não só nas varetas mas
principalmente na haste, já que o alumínio passou a tomar conta de
tudo. Antes era ferro, e pronto.
E não é que depois de ouvir tantas estórias sobre as proezas da
mijoleira de papai, fui encontrar em plena luz do dia, uma mijoleirinha,
só que garruchinha, ao invés de espingardinha, justamente na minha
rua, de poucas casas e justamente na frente da casa daqueles rapazes
calceteiros que haviam se mudado pra lá pouco tempo havia, e que,
invariavelmente, nos finzinhos de tarde, ficavam batendo papo em seu
alpendre, ou sentados na rua mesmo.
Tava lá a bichinha no chão, cabinho de madeira, cano curto, de cabo de guarda-chuva, gatilho, tudo de acordo com o figurino e eu, ali, menino, quase me desatino. Peguei-a, sem olhar em volta e a levei pra casa, já no cós da calça envolta, mas leve, livre e solta.
Antes de exibir aquele troféu, inspecionei-a, fiz mira e comecei a entender o significado do dia do caçador. A caça que se cuidasse.
Mas qual não foi o choque que se seguiu. Quem iria acreditar que
achara eu aquela preciosidade?
E a danada da coincidência de ter perguntado tanto sobre mijoleiras
justamente na véspera daquela fatal achada atração? Não convenci sobre o achado e ainda acho que foi lucro não ter apanhado. Feito um Saddanzinho pego com a mão na botija corri lá pra devolver a arma pra casa vazia.
Sem disparar um tiro