De penar por um pá vão...
Marcelina torrou a metade do salário para mimosear o amado com deleitoso agrado. Era natal, afinal. E foi encontrar, possivelmente na loja da Nilza do Calixto, ou do Zé Nazar, um conjunto de toilette, ricamente apresentado: o creme, a loção de pós-barbear e o talco - que haviam de durar muito, pois aquele pavão, além de pouco dado a artigos de perfurmaria, era ainda quase glabro, sem muito descalabro, no alvor de seus 21 anos.
Mas era amado, e como. Em troca, também amava, cheio de espirituosidade e malemolência e, se alguma hesitação havia - tácita, parecia - era de chegarem às últimas consequências na consumação do amor juvenil. Carícias plenas, nada amenas, mais de Esparta do que de Atenas, digitação e chuparia a riviria. E mais viria.
Marcelina era a graça, a princesa, tantos os seus dotes de inteligência, sensibilidade, linda voz e a composição-redação do amor, mais atroz.
Se algum reparo houvesse era quanto ao gosto pelo trajar, plutôt ieieiê - que, no entanto, achava a mais justa compensação no ato do déshabiler.
Cobiçada boneca, a Marcelina, e quanto ilustre varão da terra, ou de mais além, não escondia a vontade ou a admissão de a haver provado, sem, no entanto, nunca o haver (com)provado. Enquanto a Marcelina pragmática, nada afirmava, ou desmentia, olimpicamente provava - e desaprovava - como lhe soía.
Ao amado é que tudo devotava, alma e corpo lhe entregava, se enroscava, mimosa, dengosa, amor total, meu bem, meu mal.
Cinema ou boate, mais os passeios noturnos, de fim de semana que faziam pela Serrana afora - e adentro - eram lânguidos, doces como se fossem perfume de jasmim, ou algo assim.
Assim, gastar a metade dos vencimentos com aquele pavão era pura satisfação. Já a outra metade, sem Cupido, faria que sentido?