Lia Foguete
Morreu a Lia Foguete. Andava pra lá de octogenária e até poucos anos de partir para a eternidade, ocupou, sozinha, a casinha onde criou a família em parceria com o Vicente, e viu os filhos formarem novos lares. Fomos vizinhos seus no Brumado, de onde ela sempre viveu desde que se empregou e se casou.
Suas irmãs Cintica e Savolina haviam-se mudado para São Paulo, mas o glamour da metrópole nunca a atraíra. Vivia contente no seu cantinho e, trabalhar e criar família eram suas metas prediletas. Perdeu o primogênito, mas os três outros rebentos vingaram, e mundo ganharam.
Inda há pouco a figura dela, sentadinha no banco frontal da casal, canequinha estanhada à mão, olhar no vazio dá-me leve e breve calafrio.
Décadas atrás, de se sentar no banco era incapaz: vivia briquitando o tempo todo, na sisífica tarefa de juntar trabalho, criação de filhos, obrigações domésticas, cuidados do quintal e, de Lia do Dico que era, no original, Lia Foguete foi o apelido que ganhou de minha tia Lia, por causa de sua natureza eletrizante, sem parar um instante.
E, pelo menos na nossa intimidade, Lia Foguete foi acolhida sem restrição e por justa razão. Só não sei se chegou a ouvir nossos sussurros e cochichos. E continuou na sua, ela que era Foguete e que era de Lua.