Misteriosa chamada

Deixa eu lhe fazer uma revelação agora: logo quando comecei a cursar

com vocês o terceiro clássico, hospedei-me numa pensão, na esquina da rua Rio de Janeiro com a praça do Santuário, a popularíssima República do Nélson. Eu era o mais júnior de toda aquela rapaziada, que, ou trabalhavam, ou faziam faculdade. A única exceção era o Rubão, de ascendência libanesa, que havia perdido os pais precocemente e que não fazia nem uma coisa, nem outra. Acho que tampouco namorava.

Mas as ansiedades todas eram minhas. E não restava alternativa senão ver o tempo passar, ser crer ou rezar. As noites eram então mais aflitivas. Todos se mobilizando para sair, ir ao cinema com a namorada, tomar um drinque, dar um passeio, e eu, nada. Não me apetecia ver tevê, a não ser um futebolzinho, o que era raro, contudo.

E aí entre as muitas chamadas que no início da noite chegavam praquela rapaziada pelo telefone, qual não foi minha surpresa, numa noite qualquer, receber de seu Nélson aquele aparelho de baquelite, afro que só ele, com aquele clássico: é pra você.

E do outro lado da linha uma voz de moça, que não reconheci, falou-me de variedades, superficialidades e profundidades, que fui dormir ao

mais doce embalo. Embora tivesse somente quatro colegas moças naquela turma, nunca descobri de quem era a voz, que não voltou a chamar, nem me deu pista para eu retornar. E eu queria tanto que fosse de você.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 21/01/2015
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