A obra do Andrade

Era o Andrade um pirralho de nossa empoeirada rua que regulava, em idade, e vocação para zanzar pelo quintal, com meu irmão menor, o Beu. Juntos, não somavam uma dúzia de anos, enquanto eu ia pelos meus sete, por vezes a observá-los, por vezes a ignorá-los. Tinha, enfim meus afazeres, que iam da lavação de vasilhas aos deveres de casa, a que me dedicava com reticente zelo. Afinal, cumpria fazê-los.

Do nome Andrade, nunca consegui entendimento total. Não advinha de nome de família por certo. E seus irmãos mais velhos, Dair e Milton, carregavam prenomes mais conformes. Mas nada impedia o menino de ser

cordato, gostar caminhar pelo mato e ser pego por algum carrapato.

E se davam bem, ele e o Breu, a trilhar por aqueles sendeiros convidativos de nosso quintal que, na nossa tenra infância, pareciam duma imensidão que só acabava nas cercas vizinhas, com o Duca de um lado, o Vicente da Lia, do outro. Demais, eram pre-escolares, e tinham tempo pros seus vagares.

Até que um dia Beu me chamou na surdina pra ver uma obra de seu amigo, cujo descrever, nem sei se consigo: tratava-se de uma descomunal josta, atrás duma moita estendida que até com uma jibóia podia ser confundida. E pusemo-nos a imaginar como conseguira aquela proeza sem ao menos romper as pregas, o amigo de tantas refregas, e mais dileto do seus colegas...

Entendida de obras e lagartos, Kathie dá o bote certeiro, no mote obreiro:

E da descomunal josta\\

Eis o zelo de feculiar\\

fez o salseiro consta\\

mas de modo sigiloso\\

esculpiu a cobra anelar\

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 10/12/2014
Reeditado em 10/12/2014
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