A Onda
Não sei precisar quando tudo começou. Mas de repente lá estavam elas, por todo lado. Nos postos de gasolina, ferragens, casas lotéricas, revendas de automóveis, e até em lojas de botões, elásticos, fechos, agulhas e linhas. Para uns, são simpáticos, para outros, talvez um estorvo ou mesmo um gasto desnecessário. Refiro-me às “birutas”, aqueles quase seres que passam os dias acenando alegremente para quem por ali passar. Esses dias um amigo quase abanou para uma delas, pensando que fosse um conhecido. E olha que ele tem uma ótima visão.
Mas o que vou contar poderia ter acontecido. Ou realmente aconteceu, mas num mundo paralelo ao nosso. A história se passa na loja do Sr. Kasinski, que era descendente de japoneses, apesar do sobrenome russo. Ele possuía aquele típico estabelecimento que vende botões, elásticos, fechos, agulhas e linhas. Entre todas essas coisas, o Sr. Kasinski também possuía uma biruta que passava todo o dia, desde cedo da manhã, abanando para todos que ali passavam, isto é, cumprindo com a sua obrigação. Como não podia deixar de ser, muitos descendentes de japoneses compravam na loja do Sr. Kasinski.
Todos sem exceção, paravam para mexer e brincar com a biruta. Os mais empolgados juravam que ela não só abanava como também fazia aquela conhecida reverência japonesa. Era um sucesso. Todo dia, seu Kasinski recebia elogios pela sua biruta. Era a sensação entre as crianças. Tiravam fotos, queriam comprá-la, entre outras manifestações de encantamento.
Foi então que ele teve uma ideia. Não uma ideia qualquer. Genial. Ele iria aperfeiçoar a sua biruta. Coisa que ninguém havia pensado até aquele momento. Esta seria diferente das outras. Ih, muito melhor, um espetáculo! Pôs-se a trabalhar. Passou uma noite em claro nessa função.
Já na outra manhã, tudo estava pronto para a estréia. Seria uma surpresa para todos. Para os invejosos, seria um tapa na cara!
Aqui está! Vejam! – Dizia seu Kasinski, todo orgulhoso, mostrando sua obra-prima. E ali estava ela. Perfeita. Impecável. Os seus primeiros clientes ficaram boquiabertos. Não sabiam o que pensar, ficavam desconcertados diante de tal maravilha. Agora, ela não apenas abanava. Também cumprimentava as pessoas. Mexia a cabeça. Piscava os olhos. Abanava para quem passasse ao longe com um braço e com o outro cumprimentava a pessoa próxima. Tudo isso sem deixar a pessoa - qualquer uma das duas - com a sensação desagradável do tipo: “Sou apenas mais um!” Ah, e antes que eu esqueça, também abraçava. Não com malícia, mas com delicadeza, como carinho de irmão para irmão.
As pessoas de todos os cantos da cidade não deixavam de dar uma passadinha ao menos para comprar nem que fosse um botão na loja. Quando questionado sobre sua obra, Kasinski respondia com humildade: “foi fácil, bastou fazer uns ajustes naquela velha biruta”. Era verdade mesmo, afinal, linhas e agulhas não faltavam.
Claro, com o sucesso vem também a inveja, o olho gordo, os comentários maldosos. Alguns tentaram copiar, fazer igual, mas o estranho é que não dava certo. Por quê? Ninguém sabe dizer ao certo. Parece que os imitadores usavam linha de má qualidade.
Mas o sucesso não poderia durar para sempre. Os dias estavam contados. Passada uma semana, coisas iriam acontecer.
Foi numa segunda-feira que chegou um menino, óculos de lentes grossas, acompanhado de sua mãe, que foi cumprimentar a biruta. Não satisfeito, quis abraçá-la, na altura da cintura - aproximadamente, pois uma biruta não tem cintura - e houve uma reação não prevista. O braço direito ergueu-se desferindo um golpe - na linguagem do boxe, seria considerado um gancho - no rosto do menino, jogando longe a criança e no chão, seus óculos.
Houve choro, óculos quebrados e berros da mãe dizendo que isto não iria ficar assim. Kasinski tentou remediar dizendo que ele, Kasinski, também não suportava cócegas nas costelas. Já era tarde. Conselho Tutelar, um policial e um advogado já haviam sido acionados. A mãe rebateu as desculpas de Kasinski dizendo que o monstro se revelara igual ao seu criador. Um tumulto se formou rapidamente. Algumas pessoas já comentavam que não era a primeira vez, e que essa biruta costumava ainda piscar para mulheres casadas e uma vez ameaçou passar a mão numa senhora. Onde é que estamos afinal? Não houve jeito, Kasinski foi obrigado a retirar sua “obra” de circulação, com muito pesar. O estrago emocional e comercial foi enorme. Kasinski precisou fechar sua loja por algum tempo. Não deu entrevistas, recusou-se a participar de programas sensacionalistas. Queria ser esquecido. Passou-se muito tempo e, após uma longa viagem, Kasinski retorna.
Dias depois, passeando pela cidade, vê algo numa vitrine. Seu coração bate mais forte. Ele não pensa duas vezes, entra e compra o produto. Sai da loja com a compra enrolada em papel pardo e barbante. Não quis nota fiscal. Corre para casa, entra na salinha de reparos, abre o pacote e retira com cuidado um lindo João-bobo, emborrachado. Por algum motivo, cantarola uma música, que parece ser de Rita Lee: “Doença de amor, só cura com outro...”.