Dizem que o cérebro humano é como um super computador programado para manter o corpo em pleno funcionamento ou inativá-lo, segundo nossas próprias escolhas.

Cris, ou melhor, Doutora Cristina, neurologista e psiquiatra formada com muito custo numa universidade particular brasileira, tinha uma tese a comprovar e já havia escolhido sua voluntária, embora essa não o soubesse.

Dora, uma socialite um tanto quanto difícil e cética, vivia se queixando de dores no corpo, dores essas que dificultavam seus mais simples movimentos.

A primeira vez que Dora entrou em seu consultório, Doutora Cris suspeitou de reumatismo. Pediu alguns exames e aguardou os resultados.
Quando esses vieram, Doutora Cris verificou estarem ótimos. Não havia nada nos exames que justificasse as dores de Dora.

Em seu retorno, Dora chegou aos prantos e carregada numa cadeira de rodas.
Pés e pernas estavam edemados, bem como mãos e dedos.
Dora se queixava da rigidez nas articulações e o “travamento” da coluna, sem mencionar a dor alucinante que não a deixava dormir á noite e nem se  levantar durante o dia.

Doutora Cris estava perplexa. Os sintomas poderiam ser de Artrite Reumatóide ou até mesmo Lúpus.
Só havia um probleminha: Os exames realizados descartam as duas moléstias.
Foi assim que a Doutora Cris resolveu comprovar sua tese.
Questionou se Dora estava disposta a ser internada para uma avaliação mais abrangente. Dora aceitou de pronto.

Na manhã do dia seguinte Dora estava internada.
Queixando-se como sempre de dores, Dora não deixava as enfermeiras, voluntárias e até recepcionistas em paz. Reclamava sempre e de forma constrangedora a quem estivesse – ou não – disposto a ouvir-lhe as queixas.

Sueli, uma noviça muito tranquila, acostumada a confortar pacientes difíceis, apareceu duas manhãs depois acompanhada de uma irmã de uma congregação próxima à clínica.
Depois de muito confortar Dora, sem sucesso algum, Sueli, à guisa de entretenimento, resolveu contar-lhe uma estória bastante peculiar.

Dizia ela que uma das noviças, muito sua amiga, visitava sempre uma moça muito bonita, mas que vivia doente.
Os médicos já estavam desistindo de tentar descobrir o que aquela moça tão jovenzinha tinha que nunca sarava.
A última crise a deixara acamada no hospital por mais de quinze dias e a jovem  estava cansada de ficar naquele l hospital.

Certa manhã, a enfermeira chefe entrou em seu quarto para ver como a moça passara a noite.
Vendo-lhe a face pálida e o ar desanimado, apiedou-se dela, mas adotou um ar profissional e revelou que havia uma visita.
Segundo a enfermeira chefe, a visita era de uma voluntária muito caridosa que sempre confortava os pacientes e o melhor, sempre adivinhava quais seriam as visitas que cada paciente iria receber e até a cor das flores que essas trariam.

A moça não se animou. Primeiro por não gostar de flores e segundo por seus parentes morarem muito longe e não saberem de sua internação.

A enfermeira chefe entristeceu-se pela solidão da paciente, mas garantiu-lhe que a visita faria-lhe muito bem.

Dizendo isso, saiu deixando a moça com seus pensamentos. Instantes depois, uma jovem muito bonita deu duas batidas na porta e entrou em seu quarto.
Apresentou-se como Catarina, a voluntária. Perguntou à paciente como ela se sentia e esta deu a resposta de sempre. Disse que estava na mesma.
—E o pior – continuou – é esta angustia de não saber quando vou sair deste lugar. A propósito meu nome é Simone.
— Muito prazer Simone. Você se importa de conversarmos por uns minutos?
— Sobre o quê?
— Sobre o que você quiser.
Simone ficou meio encabulada. Via-se em seus olhos a curiosidade sobre algo que tinha vergonha de perguntar.
—É verdade que você adivinha as visitas e até as cores das flores que os pacientes vão receber?
A voluntária, meio sem graça, admitiu que ás vezes acontecia, mas era algo que não estava sob seu controle.
— E eu? – perguntou brincando – vou receber alguma visita?
A voluntária desviou o olhar e, meio relutante, respondeu que sim.
— Inacreditável, mas o que tem a ver a cor das flores?
Camile, mais desconcertada ainda, respondeu que a cor das flores significava o que aconteceria ao paciente e prosseguiu:
— Flores brancas significam que o paciente vai se recuperar e ir embora para casa logo; as amarelas significam melhora, ainda que não imediata e as vermelhas...
Simone sentiu um aperto no estômago em expectativa.
— O que significam as vermelhas?
— Morte.
Simone sentiu um arrepio gelado na espinha, mas resolveu ignorar, pois onde já se viu a cor das flores determinarem quem viveria ou morreria?
A voluntária, com olhar embaçado, despediu-se de Simone. — Muito mais que um corpo saudável é uma alma saudável. Confie.Saiu deixando Simone com seus pensamentos.
Ainda estava pensando no que a voluntária havia dito quando a enfermeira , toda sorridente entrou no quarto dizendo:
— Visita para você!
Atônita, Simone viu entrar no quarto uma tia que há anos não via e em suas mãos ela trazia um lindo buquê de flores vermelhas.

Ao terminar a estória, a noviça olhou para Dora e percebeu que ela estava muito pálida, com o lençol puxado até o queixo.
—O que aconteceu com a moça, a Simone? Ela ...Morreu?
Pacientemente a noviça pediu-lhe que não se impressionasse. Era apenas uma estória para entretê-la.
A freira que acompanhava a noviça ralhou muito, dizendo que a obrigação de uma voluntária era confortar e não agitar o espírito do paciente.
Sem graça, a noviça pediu que Dora a perdoasse e saiu cabisbaixa.

Meia hora depois, Dora já estava corada e irritada. Reclamando com todos que no quarto entrava da terrível estória contada pela noviça. Fosse ela mais crédula teria piorado muito sua já tão fraca saúde.
Logo depois do almoço, a enfermeira chefe bateu de leve na porta do quarto de Dora e entrou.
—Adivinhe só quem veio fazer-lhe uma visita?
Imediatamente Dora ficou pálida. A estória da noviça voltou com toda força à sua cabeça.
—Não quero visitas! Estou cansada demais para isso. Puxou novamente o lençol até o queixo.
—Tenho certeza de que desta a senhora vai gostar – a enfermeira chefe disse sorridente enquanto tentava puxar o lençol que agora cobria o rosto de Dora.
—Nada de visitas. Já disse! Espere... Que cheiro é esse?
Suor tomou conta de seu corpo. A respiração tornou-se pesada e o coração batia freneticamente em seu peito.
Reconheceu o cheiro inconfundível de um buquê de flores.
Seria esse seu fim? Seria a noviça o mensageiro da morte?
Sentiu a pele úmida e percebeu que estava chorando.
Pensou em tudo que gostaria de fazer e não tivera oportunidade. Pensou nos netos que não veria, nas aulas de natação que não frequentaria, no vizinho bonito que tantas vezes a convidara para o baile da associação de bairro e que ela, tão obstinadamente recusara.
Como faria diferente se tivesse outra chance.
—Dona Dora, a senhora está bem? – a enfermeira chefe estava cada vez mais preocupada. —Não quer dar uma olhada na sua visita? Veja só que flores maravilhosas a senhora ganhou!

Dora respirou fundo. Se fosse para morrer, morreria com dignidade.
Lentamente abaixou o lençol, mas ainda de olhos fechados.
Fez uma pequena prece e com coragem abriu um olho e depois o outro.
A primeira coisa que avistou foi seu vizinho. A segunda, um lindo buquê de flores... Brancas!

Dora praticamente saltou da cama e abraçou o vizinho. Agradeceu o lindo buquê e disse para a enfermeira chefe que estava ótima e queria muito ir para casa, sem mais delongas.

Atônita, a enfermeira chefe concordou e foi providenciar a papelada.
Minutos depois ela e a Doutora Cris assistiam a partida de Dora, seu buquê e seu vizinho pela porta da frente do hospital.

—Diga-me doutora – perguntou a enfermeira chefe – milagre ou supertição?
Doutora Cris esboçou um sorriso.
—Cérebro.
Colocou as mãos nos bolsos do jaleco. Seu turno já acabara e ela tinha uma longa tese a escrever.