Consciência animal
Tudo estava pronto: anzol, isca e linha de reserva. Chapéu de palha na cabeça, mochila velha nas costas e os sanduíches com suco em recipiente apropriado. Agora era só pegar o carro e se dirigir à rodovia Duque de Caxias, onde fica a Lagoa dos Índios.
O pescador não era um nativo. Era mais um turista de fim de semana. Haviam falado a ele sobre o lugar como um excelente anti-estressante, em Macapá. E era mesmo. Calmo, águas mansas, vegetação de muito viço, com uma ventilação favorável. E este só queria o prazer de comer nesse dia peixe fresco, fruto de pescaria própria.
O pescador era um solipsista, e queria ver o que sua mente poderia projetar para eliminar a fadiga da qual estava convencido.
Junto a uma das margens, sentou-se e, num olhar minucioso, radiografou o lugar. Baixou a cabeça e voltou-se para as águas, que matizavam um topázio alaranjado. Vendo uns peixinhos, pegou pela linha do anzol e mergulhou a isca. Aqueles rapidamente fizeram um círculo em torno da presa e, com suas bocas redondas, já se posicionavam para cutucá-la. Mas um outro peixinho, maior de todos, como a beijar-lhes a boca freneticamente, expulsava os coleguinhas e punha-se a mirar os olhos do pescador. Este, intrigado, convencia-se de que aquilo era apenas ilusão mental, envolto, porém, no dilema: o peixe maior era o mais egoísta ou o mais superprotetor do pequeno cardume de acará? Contudo, refletindo sobre a astúcia do peixe, considerou que o bicho não podia ter consciência e arrematou: é só um peixe arisco.
O pescador de primeira empreitada puxou a isca. Esperou um tempo e recomeçou o processo por mais duas vezes. Os peixinhos idiotas continuaram tentando beliscar a isca, mas o peixe experiente pôs-se ininterruptamente a impedi-los e a mirar o pescador com ares de pajé.