Para Uma Liberdade
Nessa bagunça espiritual interminável, Bento Sanches tenta recuperar o seu equilíbrio, voltar a sua base de apoio. Rapaz de 17 anos, provido de experiências e certezas solidas como as de um catedrático de 55 anos, se vê confuso em seus questionamentos do cotidiano. Sua vida começou a fazer sentindo aos 14, quando - sensível - abraçou os estudos com imensa competência e - inevitável - obteve as suas primeiras decepções.
Ele absorvia tudo, acreditando que isso seria a base para adquirir, talvez, uma armadura (imaginária) que o protegesse de possíveis males futuros. Hoje percebe que se dedicou construindo uma armadura de couro ao invés de uma de metal, deixando as "pulgas" findarem a sua única proteção. Sem esse resguardo, Sanches caminha para a sua reabilitação...
Como foi um garoto muito isolado, que só vivia dentro do quarto, conquistou duas e sinceras amizades. Lucas Sampaio: músico entusiasta, compositor de mão cheia, excelente observador e de um perfil bastante paranóico; e Sávio Mendes: comunicativo, sereno, romântico e um brincalhão extremista.
Gostam de se reunir na casa do Bento, namorando frituras, vídeo game, poesias e livros científicos. Na faculdade, o guerreiro ferido, consegue sempre, o mérito de receber 10 nas provas, enquanto Sampaio e Mendes se contentam com a média. Os três juntos se concentram numa mistura de inteligência, inspiração hábil e bondade. E isso os direcionam para qualquer lugar, para todos os sonhos imagináveis.
Bento teve poucos relacionamentos afetivos, porém todos catastróficos. Talvez porque sua dedicação estava mais em resolver problemas da Matemática, que as de um coração desprotegido de uma mulher. Estava ciente sobre todas as abreviações e posições dos elementos químicos da tabela periódica, mas não do melhor posicionamento que evitasse tais breves términos. Dentre outros exemplos imensuráveis que os limitou, assim trafegou.
Na sua cabeça há a certeza de um futuro financeiro estável, de reconhecimento científico imaginável. Porém, sente que existe algo que o mantém desajustado sobre o chão, sobra um mundo incompleto e que continua sendo de inúmeras sequências cifradas que mal dão para entender, e que impõe medo. Quando essas turbulências invadem o seu ser, Bento tenta despejar tudo de dentro com gritos sinceros, inocentes e encorajadores. Mas nem sempre dá certo...
Quando fica nesses momentos de "caos", gosta de abraçar essas frustrações com o Lucas. Fica lá, no quarto, observando-o reproduzir com o violão e a gaita, belezuras que vasculham os seus sentimentos. O seu amigo sabe como ajudar e trabalha para a eliminação dessa situação. Bento se decepcionou tanto com alguns contatos, que criou uma sensibilidade para se decepcionar facilmente.
Na escola era discriminado pela sua introspecção, falta de estilo/vestimenta (imposta pelos os escravos da moda/padrão) e gagueira, que se manifestava quando se submetia a constrangimento. Nesse período conheceu Sávio que, ao contrário dele, tinha popularidade na instituição, e o protegeu dali para frente. Com Mendes, pôde ver a vida com mais leveza, sem se cobrar tanto, apesar das severas arrecadações diárias do mundo.
E assim, Bento caminha numa corda bamba que, de acordo com o dia, insiste em levá-lo para um determinado lugar. Nos dias de escuridão, já sabe processar todas aquelas energias, pois dessa forma acredita que é digno de colher os bons frutos dos dias aprazíveis. Ultimamente não anda olhando para trás, a sua sequência está sendo centrada no AGORA, nos ventos que lhe consomem e lhe inspiram na busca do rente, do excelente, do atraente.
Aos poucos ele vai entendendo, brincando e nem ligando para a suas loucuras, lhe permitindo errar sem tantos questionamentos. Resolve se dedicar naquilo que acha ser bom e sente-se mais vivo, mais evolutivo. Aprende a não se trair, a controlar com vigilância extrema suas fraquezas emocionais. E assim, se mantém puro, limpo, leve e certo de que a sabedoria o rodeia na pretensão de um ajustamento sincronizado e sincero para o seu eu. Percebe que a solução mais fiel para investir contra todo esse vazio, é simplesmente se deixar levar, acreditar que os erros virão de um jeito ou de outro e que, respondendo tudo intolerantemente, não obterá ricas absorções sobre o que é vida. Talvez, Bento não tenha tanto problema assim, talvez ele só se cobra demais, mesmo sendo um excelente ser humano.