O VELÓRIO DO POETA BRASILEIRO
O VELÓRIO DO POETA BRASILEIRO
José da Silva Brasileiro é o nome que recebeu na pia batismal e na certidão de nascimento, quando completou dez anos de idade.
Nem pensava em ser poeta, era apenas mais um adolescente a escrever algumas frases em um papel qualquer, que depois seriam colocados em uma gaveta dentro do guarda-roupa.
O tempo foi passando e a gaveta ficando cheia de sentimentos, amarguras, noites mal dormidas, viagens aladas... Zé dormia para viver e acordava para escrever sonhos.
Em um dia qualquer de 1970 foi apresentado a um verdadeiro poeta, sonetista de primeira linhagem. Agendou dia e horário, passou alguns escritos a limpo e apresentou-os ao novo amigo que, de pronto, iniciou a leitura dos textos. Zé estava ansioso e, antes mesmo de receber o parecer, perguntou:
- Paro ou continuo escrevendo?
Rapidamente o poeta respondeu-lhe:
- Pode continuar escrevendo Zé, seus textos são bons!
Nascia naquele momento o “Zé Poeta Brasileiro”!
Desse dia em diante começou a participar de eventos culturais e apresentar suas poesias aos novos confrades e confreiras. Participou de concursos e de várias coletâneas. Passados alguns anos achou que deveria publicar seu primeiro livro.
Todo empolgado procurou por uma editora: escolheu a capa, ponderou para quem daria o prefácio. Analisou tudo que seria necessário para poder apresentar um belo trabalho literário. Trabalho finalizado enviou convites pelo correio, passou alguns telegramas, e outros convites entregou pessoalmente.
Enfim, chegara o grande dia! Salão da Biblioteca Municipal todo arrumado, algumas flores, cadeiras dispostas para uma melhor visualização de todos. Pronto, tudo pronto! Zé Poeta Brasileiro é o primeiro a chegar, antes mesmo da bibliotecária que iria para abrir o local; estava ele todo garboso, paramentado como manda o figurino, pronto para poder autografar seus livros.
O tempo vai passando, algumas pessoas vão chegando, os minutos se escoando e... Quinze pessoas assinaram o livro de presença. Zé Poeta Brasileiro ficou decepcionado! Tanto trabalho, esforço, carinho e dedicação para que?
Passaram-se vinte e cinco anos. Zé Poeta Brasileiro resolve lançar seu segundo livro. Agora bem mais letrado e mais conhecido nas rodas literárias, havia há pouco tempo se tornado acadêmico pela Academia Municipal de Letras, Ciências e Artes. Acreditava que seu segundo livro seria um sucesso de público. Iniciou novamente os preparativos, agora com muito mais disposição em comparação ao primeiro; seus textos haviam melhorado, palavras novas no seu vocabulário, seus contatos eram mais elitizados e seu universo literário infinitamente maior.
Era verão, noites agradáveis de céu estrelado. Tudo conspirava para o sucesso, esperança de casa cheia. Guardou segredo até mesmo da família sobre o bufê que havia contratado. Igualmente ao primeiro lançamento, Zé Poeta Brasileiro foi o primeiro a chegar ao recinto. No horário previsto alguns familiares já estavam à porta, e foram recebidos com muita alegria. Deu um sinal e os três garçons começaram a rodar com suas bandejas pelo salão. De tempo em tempo os convidados iam chegando. No final, vinte e três pessoas foram prestigiar o Zé Poeta Brasileiro. Nem tinha vontade de voltar para casa! Foram entregues duzentos e cinquenta convites e nem dez por cento havia comparecido. Para Zé Poeta Brasileiro uma dura derrota.
Passaram-se muitos anos e o Zé Poeta Brasileiro estava prestes a completar oitenta primaveras. Nos últimos meses estava muito pensativo e pouco escrevia. Após uma noite de lua azul (fenômeno que ocorre em intervalo médio de 2,7 anos), Zé Poeta Brasileiro amanheceu sentado na varanda confrontando o tempo e o horizonte.
“Que os bons ventos soprem as velas da minha vida, levando-me para além das dobras do horizonte, que meus sonhos estejam logo ali. A cada dia ando mais lentamente e sou apenas o que carrego dentro de mim. Na realidade sou o que as pessoas não podem ver ou sentir!”
Zé Poeta Brasileiro decidiu por lançar o que seria seu último livro: “Resgatando Decepções”.
Desembainhou a espada e seguiu firme para a linha de frente, seria tudo ou nada!
O dia “D” chegou e tinha amanhecido lindo. De súbito uma triste notícia começou a circular nas redes sociais; nos telefones, vozes embargadas, ninguém poderia imaginar o acontecido: a morte do Zé Poeta Brasileiro, bem no dia do lançamento do seu livro. O corpo seria velado no sodalício da Academia Municipal de Letras e o sepultamento fora marcado para as 17:30h no Cemitério Municipal Jesus Tende Piedade De Nós.
Com o passar das horas começaram a chegar os parentes que moravam mais distantes. Poetas e escritores de diversas cidades circunvizinhas chegavam representando Academias, Casas de Poetas, Clubes de Escritores, entidades Cívico-Culturais. Câmaras de Vereadores de diversas cidades se faziam representar. Quase trinta coroas de flores estavam postadas de forma a formar uma passarela que conduzia quem se aproximava para o último adeus.
A urna mortuária estava fechada, sobre ela apenas um quadro com a foto do Zé Poeta Brasileiro e um exemplar de cada livro editado. Alguns que por ali passaram leram textos prestando assim sua última homenagem. Era 16:00h e alguns já calculavam mais de setecentas pessoas presentes e ainda faltava uma hora e trinta minutos e certamente mais pessoas chegariam.
Faltando quinze minutos para o sepultamento ouve-se um grito seguido de um silêncio tumular. Zé Poeta Brasileiro caminha lentamente por entre a multidão, passa entre as coroas de flores e segue em direção à urna mortuária. Antes apaga as quatro velas que estavam acesas. Todos os olhares estão voltados para o Zé Poeta Brasileiro que começa a desparafusar as borboletas que fixavam a tampa da urna.
- Caríssimos confrades e confreiras, amigos e amigas, amados parentes que há muito não me vêem.
Zé Poeta Brasileiro falava e ao mesmo tempo ia retirando a tampa da urna.
- Como todos são sabedores, hoje é dia primeiro de Abril! E esta foi a única forma que encontrei para trazê-los e poder compartilhar com todos o lançamento do meu livro que aqui está: “Resgatando Decepções”.
A moral da história é sua, caríssimo leitor!
José Luiz Pires
01.09.12 16:50h
Inadequado54@hotmail.com