Eu e a Morte - Dois românticos sem vida - Parte III
Uma sensação de torpor tomou-me de súbito e senti-me a flutuar por sobre os raios do luar. Senti meu corpo como pluma. De repente algo puxou-me para baixo como um peso em queda livre. O desespero envolveu-me novamente, mas foi cortado como navalha ao sentir o toque das mãos de Lilith à me segurar. Ela me elevou aos confins dos céus.
Após uma pequena eternidade, pousamos suavemente num oásis em meio à um grande deserto. Senti meus pés tocar a quente e fina areia. Lindas castanheiras e paineiras se revesavam entre as dunas, onde flores e arbustos despontavam da areia fofa, fazendo um pequeno e sinuoso caminho até o lago de águas límpidas e brilhantes. Confuso, percebi que não estava sonhando.
— Onde estamos? — Perguntei
— Estamos no deserto! — Respondeu ela.
— Disso eu sei! — Exclamei sorrindo.
— Quero saber em qual deserto? — Indaguei novamente.
— Isto faz diferença? — Respondeu ela com outra pergunta.
— Na verdade, eu não sei se faz ou não, pois nunca estive em um! — Respondi intrigado.
— Deixe-se apenas levar pelos seus sentidos! — Verás que este é o seu deserto.
— O que faremos depois? — Perguntei mais uma vez.
— Nós, não faremos nada! — Você fará!
Ao tocar com meu outro pé na areia, senti um vento refrescante varrer meu rosto com pequenos e finos cristais que acariciavam meus poros e grudavam em meus lábios. Fechei meus olhos e logo senti meu corpo aquecer com o calor que erradiava-se do brilho daqueles cristais.
A sensação era tão prazerosa que senti um leve arrepio nas costas. Senti-me excitado e eufórico naquela fração do tempo. Mas logo uma fisgada em meu corpo e tudo se modificou. Um velho senhor cutucou-me com um graveto de acácia, cujos espinhos enormes e afiados arranharam meu ombro. Olhei ao meu redor e não havia mais ninguém, apenas aquele senhor maltrapilho e de rude semblante sentado sobre uma pedra. Ele olhou-me profundamente e sorriu. Havia apenas dois “ cacos” de dentes sob aquela enorme barba branca. Afastei-me um pouco e ele jogou-me um pedaço de carne seca sobre os meus pés.
— Eu não estou com fome! — Respondi, com um sorriso “amarelo”, seu gesto de caridade. Ele sorriu novamente e uma fome avassaladora tomou-me naquele momento. Ao me abaixar para pegar aquele, Pedaço de carne, ele se transformou em um enorme escorpião negro e picou minha mão. A dor foi pungente e torturante.
— Porque fizeste isto? — Perguntei àquele velho intrigante. Ele sorriu novamente e me lançou seus velhos chinelos de couro. Indignado e enojado daqueles calçados suados e maltrapilhos, respondi:
— Não quero seus calçados!
Aquele andarilho olhou-me novamente no fundo dos olhos e subitamente a areia começou a queimar como fogo a sola de meus pés. Procurei desesperado um lugar para refresca-los e me lancei sobre suas sandálias. Ao pisar sobre elas, elas se tornaram em um feixe de espinhos. Aqueles espinhos penetraram profundamente em meu calcanhar me fazendo gritar em desespero.
— Velho desgraçado e maltrapilho! — Gritai desesperado. Ele novamente sorriu e levantou-se virando me as costas e seguindo pelo trilho até a água que passava no interior do oásis. Tentei lhe acompanhar manquitolando de uma das pernas.
— Espere! — Espere! — Gritei desesperado. Mas ele não me respondeu, desaparecendo em meio aos arbustos. Agora estava com uma tremenda fome e com as mãos e pés queimando de dor. Sentei-me na pedra e tentei compreender o que se passava.