Eu e a Morte, Dois românticos sem vida - Parte II
A dor daquele corte parecia aliviar a dor pungente que afligia meu coração. Sentia-me leve e extasiado. Olhando a lua e sentindo o vento em meu rosto, me deparei com uma sombra disforme que desceu em zig-zag por entre os raios de luar, como um pássaro a esgueirar em voo rasante por sobre a relva dos campos. Desviando-se dos poucos e finos arbustos que se elevam por sobre o brilho das gostas de orvalho, pousou suavemente ao meu lado em forma de mulher.
Levo minha mão direita à testa, sinto o suor descer em gélidas gotas. Sem que eu perceba outra mão se assenta sobre o corte e o sangue parou de jorrar. Ao olhar ao meu lado, sentada, de pernas cruzadas, com um leve vestido de seda lilás e branco, vejo uma linda dama a sorrir. Seu sorriso parecia o de minha falecida mãe, mas seus cabelos eram de um brilho diferente. Eram de um negro intenso e de aspecto perturbador. Suas mãos permaneceram a segurar meu pulso e vagarosamente me vi voltar ao meu estado de solidão avassaladora.
— Não fique assim! — Disse aquela voz sedosa e meiga. Virei-me com dificuldade e olhei fixamente em sua direção, fitei seus olhos que brilhavam como a lua. Meus lábios não conseguiam se mover.
— Não fique assim! — Disse ela novamente. O pranto roubou-me o fôlego e explodiu em soluços.
— Quem é você? — Perguntei com lábios trêmulos.
— Como entrou em minha casa? — Completei.
— Eu sou ela!— Respondeu, com um sorriso calmo e tranquilo.
— Ela? — Perguntei novamente.
— Mas... Ela quem? — Indaguei insistente.
— Ela! — À quem tu chamaste com tanto desejo! — Meus lábios tremeram, meus soluços me fizeram gaguejar. Tentei me recompor.
— Você é a morte? — Perguntei.
— Não! — Sou Lilith! — Uma mulher que amou intensamente a vida.
— O que fazes em minha casa neste momento? — Perguntei balbuciando palavras. Ela permanecia a segurar meu pulso enquanto minhas forças voltavam em pequenas doses ao meu corpo.
— Vim lhe ver! - Disse ela, sorrindo.
— Você não é morte? — Perguntei insistente.
— Não! — Respondeu ela.
— Então...! — Não foi você a quem desejei intensamente! — Deixe jorrar de meu pulso todo a sangue do meu corpo!— Pedi em prantos.
— Desejastes a morte, porque não sabes quem sou! — Desejastes o desejo de morte para abrandar seu sofrimento! — Desejaste o desejo da escuridão para cegar tuas lembranças! — Respondeu Lilith ainda a segurar meu pulso pulsante.
— Não me deixes viver! — Pois não suporto mais a dor de me ver no espelho do meu passado. Disse à soluçar.
— Todo passado tem dor! — Respondeu Lilith.
— Se não és a morte, porque veio até mim? — Indaguei, levantando levemente a cabeça. Ao reparar por sobre seus negros cabelos cacheados, vi a escuridão que sugava meu destino em um redemoinho abismal. Eu olhei para ele e ele olhou-me de volta.
— Se você não é a morte, o que é a morte?
— A morte é a escuridão que acompanha os sonhos de todos os homens.
— Então, quem é esta linda mulher a quem eu vejo?
— Eu sou a companheira de viajem a abraçar aqueles que a procuram com fervor! - Respondeu ela.
— O que fará comigo agora! — Perguntei.
— Me levará contigo em seu abraço eterno? — Completei.
— Não! — Levarei-te comigo apenas para uma viajem, mas te devolverei ao seu mundo infame!
— Onde me levarás? — Perguntei, já sentindo meu corpo adormecer.
—Levarei-te ao meu passado! — Lá te direi quem sou! — Respondeu ela, beijando minha testa.
— O que tenho eu com teu passado? — Perguntei antes de apagar-me por completo.
— Você...