Ágatha era o nome da minha pedra marciana (10.04.11)

Ágatha era o nome da minha pedra marciana.

Não era mais bonita que as pedras terrestres, mas, certamente, era marciana. E eu jamais havia ousado contar a qualquer terrestre sobre Marte.

As pedras de qualquer galáxia tem uma peculiaridade, que estrelas, nebulosas e até certos planetas não têm. As pedras escolhem seus nomes. A minha era Ágatha. Não que eu tivesse perguntado a ela, nem ela me dito nada por vontade. Só estava ali, antes mesmo da condição de pedra – Ágatha.

Encontrei-a em Marte, quando vinha de não-sei-onde. É verdade que nada tinha de atrativo esse planeta no tempo em que o vi, e apenas fui lá para encontrar Ágatha. Bem certo, no primeiro momento, nada soube, e nem poderia saber sobre ela. Pensei em perguntar a algum terrestre sobre o porquê de Marte. Mas há algum porque da Terra, ou de Glises? Achei-a sem procurar, e por fim pareceu que nada havia feito sentido antes de Ágatha. Até o planeta pareceu-me melhor, naquele horizonte infinito e vermelho, vi Phobos e o Sol em alguma orbita, se orbitando. E eu, que vim de não-sei-onde, e vim de tanto tempo que já não me lembrava de onde vim, não sabia mais se tinha algum rumo quando parti. Ágatha deu-me sentido, naquele momento, e eu pude ver acima da poeira algo crepitar do vazio, e ir-se em outro instante, como parecendo jamais ter acontecido. E acho que realmente, naquele momento, todas as galáxias de todos os aglomerados, mesmo as mais longes, mesmo o que há além da radiação, toda matéria estelar mais rápida que a luz, mesmo a matéria escura, passaram todos pelos meus olhos, em um arco de segundo de minha retina, e se expandiram, como se eu mesmo fosse em si todo o universo, em ordens infinitamente negativas de tempo.

...

E levei-a para Terra.

Quando cheguei à Terra, parecia realmente a Terra. Muita água, eis uma peculiaridade, mas, bem de fato, devo dizer, maior peculiaridade foi não achar nenhuma pedra nesse planeta rochoso. Achei muitos terrestres, mas nenhuma pedra. Nenhuma pedra como Ágatha.

Com o tempo, comecei a me perguntar se era mesmo o planeta Terra, aquele planeta terrestre. Sem dúvida, agora, olhando Marte de longe nesse vazio negro, pareceu-me não estar mais ali nem eu, nem Marte. A única certeza que ficava era Ágatha. Os dias eram iguais, as noites eram iguais, e por vezes vi uma ou outra estrela no céu da Terra que pensei reconhecer, mas com o tempo passei a duvidar de ter estado lá, de ter vindo de não-sei-onde. Comecei a duvidar de ter estado em Marte, comecei a duvidar da existência de Marte, das estrelas, dos planetas de outras estrelas. Por vezes eu olhava para Ágatha, procurando nela alguma prova de que aqueles sonhos não foram sonhos. Procurava aquele sentido num arco de segundo da minha retina, mas já nada havia. Havia atmosfera, haviam terrestres, havia rochas. Haviam pedras, iguais a Ágatha. Ágatha que era igual às outras pedras, porque ela não era mais como minha pedra marciana. E eu não havia mais estado em Marte, não havia mais falado de outros aglomerados, não havia partido de lugar algum, nem havia chegado. E eu nunca havia estado em Marte, nunca havia falado de outros aglomerados, nunca havia partido de lugar algum, nem havia nunca chegado.

Ágatha não poderia ser minha pedra marciana, porque ela não estava em Marte. E tudo não poderia ser mais que um sonho, porque eu sempre estive na Terra, desde que eu me lembrava, isso era certo. E Ágatha era uma pedra terrestre, e eu era um terrestre, ou Ágatha era uma pedra marciana que não poderia ser pedra – e, muito menos, ser Ágatha – nesse planeta rochoso, e eu, vendo assim, não estaria sonhando hora nenhuma.

As diferenças já não me pareciam claras e, independente da resposta, não haveria mais diferença responder. Se Ágatha foi ou não uma pedra marciana, o certo é que não era mais. E se realmente tivesse sido, não haveria de voltar a ser, mesmo em Marte. Porque talvez nem Marte existisse e, quem sabe, nunca houvesse existido. Mas, se existisse, não era mais Marte, e nem minha pedra marciana era, de fato, uma pedra marciana.

David Ceccon
Enviado por David Ceccon em 01/05/2012
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