EU VEJO O FUTURO !

EU VEJO O FUTURO ! EU VEJO O FUTURO !, grita o andarilho no meio da praça da cidade pequena. Estou de passagem e falo com o homem que traz consigo uma sacola de lona com alças de barbante, duas sacolas plásticas na cabeça fazendo as vezes de turbante ( penso eu) e um cobertor surrado enrolado ao corpo como um manto, chinelos ainda mais surrados e a barba por fazer há algum tempo. Fale algo sobre mim, meu amigo, lhe dou algum dinheiro mesmo que eu não goste da sua visão. Eu não cobro não moço, vamos nos sentar e conversaremos ! Não leio as mãos, não leio cartas, mesmo porque eu não sei ler, mas conheço do mundo quase tudo, da alma humana mais ainda, e do futuro tudo, por isso eu estou nesta lida, de avisar aos outros o que a vida guarda para cada um. A linguagem boa, a voz grave de quem fuma muito e uma sinceridade no olhar me convenceram a ouvir esse homem de quarenta e tantos anos, e agora passo a contar :

_Quase não consigo conversar com muitas pessoas, pois não acreditam em mim, acham , mas quem me ouve, é por que tinha de estar comigo nesse momento, por qualquer motivo, como você mesmo, não é daqui está bem longe de sua terra e posso dizer que sua procura acaba hoje. O que trouxe você até aqui não preciso dizer, pois é passado e eu vejo o futuro, e o que você espera, talvez seja o que eu vou contar. Desse momento em diante suas palavras fluíam em meus pensamentos e não mais o ouvia, porém eu visualizava cada frase dele, cada palavra tinha um gosto e uma cor diferente, como se uma brisa me levasse longe dali.

Passei a ver uma silhueta se aproximando, esguia, cabelos longos, mais se aproximava, mais eu admirava, quando vi seu rosto, seus olhos verdes e límpidos me apaixonei, a beijei...e estávamos já na escadaria da igreja , recebendo nos cabelos o arroz jogado pelas pessoas que lá estavam e gritavam, o meu nome eu ouvia, mas o dela, quando era gritado e eu sabia que gritavam, o som não vinha aos meus ouvidos, procurei ler os lábios , mas eu já estava em um taxi um pouco velho, mas que ia rápido pela única avenida dessa cidade com a buzina disparada, ( não sei por que, pois não havia tráfego ), e estancou em frente ao pequeno hospital para onde corri com a maleta nas mãos, e tive de voltar da porta para o carro pois esqueci a esposa grávida no taxi.

Moço, preste atenção com o coração no que eu te conto, disse-me o homem, talvez pelos meus olhos arregalados com a visão, ou sonho mais real que já vivi, depois dos pesadelos de criança, é claro ! Voltei ao mesmo transe e já estava passeando com duas crianças mais a esposa por um bairro novo, recém construído, onde visitávamos uma residência decorada com a intenção de comprá-la para a família ( que aumentaria em breve ). Em outro lampejo já estava eu , a esposa e os quatro filhos ( a nova gestação foi um par de gêmeos ), na Caixa Federal para o ato de assinatura do tão esperado contrato para a casa própria ( que nesse momento, eu acho que já necessita de uma reforma ). Agora, sozinho, tomo posse no meu emprego no governo ( como minha mãe gosta de falar ), o que é um alívio, visto o meu precário orçamento anterior.

Acordo assustado com gritos pela casa, saio no corredor (aumentei mais um quarto ) e dou de cara com os gêmeos pulando contentes com o resultado do vestibular em mãos, beijando os irmãos mais velhos ( que, ufa, terminam este semestre a faculdade ), a mãe, e partem em ataque para cima de mim, jogando-me ao chão e me beijando, dando tapinhas carinhosos nos poucos cabelos já grisalhos de minha cabeça zonza. A mãe chorando emocionada ( mais uma vez ), e eu chorando por eles não terem passado em uma universidade Federal. Outro relâmpago e já estamos na festa de formatura dos gêmeos, eles com as namoradas, o mais velho com a esposa ( casam-se cada vez mais cedo ), o do meio ( se é que se pode chamar o segundo de quatro como o do meio ) sozinho, admirando todo o ambiente e sonhando com a própria formatura daqui a dois anos. Danço com a esposa as seleções de músicas “do nosso tempo”, não me sentia tão jovem assim desde que ganhamos o campeonato de veteranos em nosso bairro ( coisa de velho ). Muito bem rapaz, já chega de visões inebriantes, fala o homem com sarcasmo ou seriedade, não percebi pelo seu tom de voz sóbrio sem inflexões, me tirando novamente dessa corrente de sentimentos, que nem mesmo o primeiro beijo me fez sentir.

Digo a ele ( como um viciado ), que eu preciso mais daquilo, preciso mesmo, afinal é o meu futuro. Está bem, vamos em frente, porém eu aviso que sempre é melhor parar por aqui, mas é você quem manda. Um trovão me assusta, estou parado e ensopado no estacionamento do aeroporto da capital, corro para o saguão e entro quase derrubando uma senhora e seu cãozinho ( esses animaizinhos viajam pra caramba! ), localizo a família e vou até eles, demoro a chegar admirando a cena diante de mim, os gêmeos com suas esposas ( gêmeas, lógico ), o gêmeo mais velho ( quinze minutos ) com minhas três netas, o outro com seus quatro filhos , dois casais de gêmeos ( parece loucura ), o do meio com a namorada, quase noiva ( finalmente), e minha doce esposa sentada ao lado deles como uma foto daquelas antigas. Um momento para se guardar antes do mais velho chegar com a esposa ( não tem filhos ) da sua viagem ao exterior, gritos beijos, abraços, choro de crianças ( muitas) chacoalhar de faixa de boas vindas e etc,,, vocês sabem, aquela coisa de latino americano, agora felizmente com dinheiro no bolso, pois me aposentei no serviço público, uma boa pensão, uma previdência privada que me complementa o bom salário que conquistei na minha carreira. Passo a analisar este futuro que estou vivendo agora ( isso que é paradoxo ) Com o tempo congelado como nos filmes de ficção, passo a andar por entre as pessoas inanimadas, porém com cheiro , textura e calor ( toquei neles para sentir), eu passei a fazer parte dessa fotografia em quatro dimensões ( eu sou a quarta ) , é como se estivesse em uma iluminura gigante, ou que fossemos pequenos como Gulliver em uma de suas viagens dentro de uma casinha de bonecas de uma criança enorme. Toco minha família, mas as sensações são apenas minhas, não há a troca de afeto, olhares ou carinhos, somente eu e o futuro que me foi dado a conhecer com extremas emoções. Toco apenas minhas netas e netos, não consigo pô-los ao meu colo apenas o toque é permitido, afago os cabelos dos meus filhos, beijo suas faces, e, finalmente paro em frente minha esposa e fico a admirar a figura dessa mulher que passará a dominar a minha vida, os meus pensamentos. Não sei a partir de quando esta epifania que vivo agora será finalmente realizada, ( aguardo com fervor ) vejo apenas as pessoas se desvanecendo, tornando-se visões enfumaçadas como uma fogueira em seu ardor final, a família sumindo de minha visão, sem um aceno de adeus, ou beijos das netas, em um sopro de fumaça e talco tudo se vai, estou novamente no banco da praça desta cidade pequena ao lado do homem de turbante de plástico. Fico um pouco atordoado ainda , as visões vindas da voz desse homem me entorpeceram os sentidos, sinto que a realidade atual não é a que eu quero, eu quero aquela realidade que vivi há pouco, mas ouço a voz dele.

Moço, você já voltou, levante-se, vamos andar um pouco pela praça para você se adaptar a vida normal, como se qualquer vida fosse normal não é?? Passamos a andar e falar de futilidades, ele fugia de todas as minhas perguntas como qualquer moça que não estivesse a fim de você faria, simplesmente ignorando as perguntas e mudando de assunto rapidamente. Perguntei sobre a vida pessoal, as respostas foram vagas, apenas disse que morava aqui e ali, e que sua missão era mostrar o futuro ao mundo, mas como o mundo não acreditava nele, bastava que uma ou outra pessoa cresse e visse o que lhe era reservado. Calei-me e passei a pensar no que vivi naqueles quinze minutos com aquele homem, vivenciei meu passado ( o que é mais fácil ), e cheguei a conclusão de que não terei aquele futuro a não ser que eu mesmo o faça, ele não virá de mão beijada. Quando me viro para perguntar o nome da padroeira da cidade, não vejo o homem ao meu lado, mas em outro banco amparado por uma moça, vou até lá e ouço: Pai, você não pode mais ficar andando assim no sol, sem comer, vamos pra casa, vamos. Ao encarar os olhos verdes da filha desse homem, estanquei, com o sol em meus olhos a silhueta que minha retina gravou, colou-se em minha memória e tive a certeza de que a conhecia antes mesmo de ver-lhe o rosto. _ È você !... foi o que consegui balbuciar, e um sorriso lindo iluminou a minha alma ( agora eu sei o que é um deja-vu ), e um outro sorriso me respondeu _ Sim!, o som do sim mais doce que já ouvi.

Olhando para a nave da igreja rememoro o meu futuro que hoje se inicia, e ouvindo a música que anuncia a chegada da noiva, volto meu olhar para a porta do templo e aguardo a chegada dela em companhia de seu pai, agora sem turbante, manto ou sacola.

Ao recebê-la, tomo para mim além do amor que sua alma emana, toda a minha vida, passada, presente e futura, agora afiançada e abençoada pelo homem de Deus, beijo a minha esposa com autorização do reverendo e de seu pai, ergo-a em meu colo e corro para a escadaria da igreja para receber a chuva de arroz em nossos cabelos.