Algum tipo de poder...
Estava à toa na vida, pensando em algo de bom para fazer. E isso para mim, naqueles dias, era uma coisa bem complicada. Estava desempregado, quase sem grana nenhuma e beirando a fome. Eu bem que queria estar trabalhando, construindo, ajudando alguém e até mesmo me divertindo com amigos. Mas eu estava tão 'deprê' que não animava a fazer mais nada. E não me restando coisa nenhuma, fui fazer o que todo cidadão desempregado infeliz comum gosta de fazer numa noite chata: assistir TV.
Estava tranquilo esperando minha TV abrir a imagem – ela era tão velha que eu tinha que esperar de vinte a quarenta minutos para que ela funcionasse normalmente – para poder ver o programa, que até então, eu estava só ouvindo. Um lixo de programa, é claro. O que mais um ser humano comum pode esperar dos programas televisivos de hoje? Ainda mais TV aberta. Enquanto esperava, pensei em comer alguma coisa. Olhei a geladeira e encontrei ali: um vidro de groselha, duas garrafas de água, uma caixa de ovos com dois dentro, um pote de manteiga pela metade, meio pacote de pão e um pedaço de queijo duro e embolorado. Não tive dúvidas. Levei para cozinha o que eu ia comer. Primeiro limpei o queijo tomando cuidado para não tirar demais as partes estragadas e não sobrar nada; depois peguei duas fatias de pão, adicionei fatias finíssimas de queijo e coloquei-o no micro-ondas para derreter – e matar o que sobrasse de germes daquele alimento. Programei trinta segundos e quando estava faltando quinze, o aparelho desligou. Apagou. Verifiquei a tomada, depois os botões, depois o fusível e por último os disjuntores. Nada. Provavelmente queimado. Bom não me importei com isso e tirei meu pão lá de dentro, que já estava suficientemente aquecido.
Sentei-me na cama, de frente à televisão, e comecei a devorar meu pão com queijo. No meio da terceira mordida a TV que já estava quase se abrindo apagou. Gritei furioso e de boca cheia: “Maldição!!!”. Porém, antes de me levantar e procurar o defeito da porcaria da TV, terminei de comer o pão com muito desgosto. Levei o prato para a cozinha e assim que acendi a luz, daquele aposento escuro, ouvi um estalo e vi um flash. A lâmpada havia se queimado. Voltei para o quarto e procurei o defeito da televisão. Cocei a cabeça, desconcertado, e comecei a juntar os fatos. Alguns meses antes, quando estava para ser mandado embora e precisava já de dinheiro, havia ocorrido algo semelhante. Matutei, matutei e por fim percebi que alguma coisa estava acontecendo. Sentei na mesa da sala e liguei meu velho computador. Ligou da forma correta – o que quer dizer que demorou muito. Iniciou-se e estava eu lá, a digitar, quando ele começou a travar. “Tudo bem”, pensei “computador velho é assim mesmo”. Esperei um pouco, pacientemente, aguardando que ele voltasse e eu pudesse salvar o que já tinha escrito. Passou alguns minutos e ele voltou. Dirigi a seta do mouse até o 'salvar' e antes do clic, a porcaria toda desligou-se. Apertei o power novamente. Ouvi um barulho e um estalo e nada. Angustiei-me. O que era aquilo?
Voltei para o quarto deitei-me. Joguei os chinelos de lado e me cobri com um lençol. Não se passaram dois minutos e a luz da casa sumiu. Levantei mais mal humorado do que de costume. Tropiquei até chegar na cozinha, procurei uma caixa de fósforos e risquei um. Fui riscando um atrás do outro até encontrar uma vela. Acendi a maldita vela e ainda me queimei com a cera. Fui até o painel de força, liguei e religuei tudo e nada. Só podiam ter cortado minha luz. O que seria normal para aqueles tempos de recessão.
Voltei para cama e desisti da vida. Estava quase pegando no sono quando uma ideia surgiu de repente. Num pulo estava de pé. Peguei a vela e procurei na gaveta perto da escrivaninha uma coisa. Depois de revirar todas as gavetas, na última, eu encontrei a lanterna. Essa eu havia comprado no mês anterior com meu último dinheiro do seguro. Estava novinha em folha e até pilhas novas eu possuía. Era o teste final. Coloquei as pilhas recém-tiradas da embalagem dentro da lanterna e liguei-a. Aquele clarão iluminou muito bem tudo o que eu apontava. Deitei segurando a lanterna apontada para o teto. Fiquei ali um tempo e, antes que minhas suspeitas fossem por água abaixo, a lanterna tremeluziu seu faixo e apagou. “Perfeito!” exclamei exaltado. Vesti minhas calças e minha blusa, calcei os sapatos e fui para rua. Atravessei a rua correndo e fui para o banco perto de casa. Tirei meu cartão – que eu sabia que estava zerado – e introduzi no caixa eletrônico. Comecei a fuçar nas opções esperando aquilo acontecer e, antes de receber o aviso de 'saldo insuficiente', o caixa apagou. “Perfeito!” comemorei em voz alta.
Saí do banco renovado, disposto a aprender mais sobre aquilo. Sempre lia histórias em quadrinhos na minha adolescência mas nunca pensei que seria desse jeito. Eu realmente possuía algum tipo de poder. E estava pronto para testá-lo mais vezes. Quando era criança, imaginava-me podendo voar, carregar coisas pesadas, ricochetear balas, atravessar paredes com os punhos, dissolver coisas com o pensamento... tudo, menos que meu poder seria o de estragar qualquer coisa elétrica e eletrônica. No caminho por onde andava, havia estacionado um carro com o alarme disparado. Nem pensei duas vezes. Encostei no teto do carro e esperei a mágica acontecer. Acho que devido a minha empolgação o efeito veio mais rápido. O veículo calou-se de imediato. Começava a entender o meu dom, mas ainda assim, pensava se não seria somente uma coincidência. Nada melhor do que continuar testando. Olhei à minha volta e avistei um orelhão. Retirei o fone do gancho e verbalizei: “estrague”, e a porcaria ficou muda no mesmo instante.
Estava irradiante. Contente de possuir 'poderes', mas depois de vários testes – todos eles muito bem executados – percebi que eu não possuía uma finalidade. “Pra que serve essa merda?” Continuei caminhando pela rua e a medida que andava, apontava para os postes de luz e dizia “apague” e ele se apagava. Fazia isso agora só por diversão. Não precisava mais tocar. Apenas apontar ou dizer. O efeito já era imediato. Enquanto me divertia, ficava tentando imaginar formas de sair da merda. Precisava ganhar alguma coisa com isso. E nesse exibicionismo todo, fui deixando um rastro de destruição por onde passava. Quando olhei para trás, do alto da avenida que eu acabara de percorrer, vi o que eu tinha feito. Tudo apagado, estragado, destruído. E vendo aquela cena, parei, sentei e pensei: “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. Jargão a parte, eu percebi o que tinha em minhas mãos. Aquela dádiva. Aquele estranho poder. Fiquei ali, sentado, por um bom tempo, refletindo, tentando descobrir o que fazer com aquilo. Venderia meus serviços? Quem iria querer alguém para destruir algo – algumas pessoas me passaram pela cabeça. Pensei até numa roupa bacana para usar quando estivesse em ação. “Ação?” repeti a palavra. Não sabia ao certo o que eu queria ou o que estava planejando. Só sei que, assim como meus poderes, uma ideia surgiu do nada. Levantei, bati a mão nas calças limpando-me e olhei para cima, admirando aquele céu estrelado. E foi ali que eu percebi o que faria. Usaria aquele poder para fazer algo de útil. Algo que, agora, eu poderia fazer. Não seria mais um inútil. Todos iriam saber sobre mim e conheceriam meus talentos. Promoveria aos habitantes do planeta o que eu melhor saberia fazer: instauraria o caos!!!
Continua...