No Fim do Diário pt. 3
20 de Dezembro de 2005
Esses quatro dias que eu não escrevi nada estava fazendo uma bateria de exames e dormi a maior parte do tempo. A dor na cabeça voltou, eu preciso pedir mais morfina. Mas enfim...
Eu estava no segundo andar naquela manhã trágica para o meu pai. Meu pai e Carlos jogavam bola no quintal. O meu irmão é dois anos mais velho que eu, acho que ele tinha uns dez quando aconteceu.
Meu pai chutou a bola e vi Carlos pulando em um salto incrível e segurando a bola que ia de encontro ao travessão. Meu pai ficou muito feliz e correu para abraçar o filho. Quando foi a vez de Carlos chutar a bola acertou a trave, bateu no meu pai e foi para a rua.
Carlos correu para pegar a bola e acabou sendo atropelado por um carro em alta velocidade que sequer parou para ajudar. Meu pai entrou em casa desesperado trazendo o querido filho nos braços e gritou para eu ligar para a emergência.
Eu nem mesmo saí do meu quarto, sinto-me mal por estar descrevendo isso aqui. Eu confesso que quando vi o carro podia muito bem ter gritado por Carlos, mas preferi ficar olhando, preferi ver o carro acertá-lo nas costas e o jogar por cima do capô.
Lembro de ficar na cama acordado até muito tarde chorando por lembrar que podia ter impedido meu irmão de ficar tetraplégico.
Os médicos disseram que ao locomover o corpo da criança acidentada da rua meu pai acabou lesionando a medula próximo ao pescoço e acabou como acabou. O filho prodígio, o garotinho que ganhara medalha por melhor desenvoltura no futebol da escola e troféus em competições de natação agora sequer podia usar o banheiro sozinho.
Será que eu realmente sou o culpado por tudo? Será que eu realmente matei minha mãe e fui eu quem deixou meu irmão incapaz de comer sem a ajuda do meu pai? O que eu sou? O que é que eu fiz da vida? Será que alguém vai lembrar-se de mim quando eu morrer? Será que algum dia meu pai terá orgulho de mim?
Eu não posso responder nenhuma dessas perguntas, nem mesmo posso falar qualquer coisa acerca delas. Por quê? Porque estou agora enterrado em uma cama de hospital esperando a morte que demora a chegar.