Caminhada de um guerreiro
A chuva caía sob o telhado, forte, barulhenta. O vento passava rápido, mas o uivo dele ficava. Rudá não era responsável somente por aquilo que cativava. E achava egoísta demais pensar assim.
Ele era responsável por tudo que lhe cercava, pois de tudo dependia para viver.
Seus pulmões dependiam do ar, o seu corpo, de desejo, e sua boca, de ternura. Não poderia exigir mais do que isso, como também não poderia viver sem.
Assim como os outros pássaros ele desejava a liberdade, gostava de desafiar o céu, os limites. Sua prisão não se constituía no céu que desabava sobre a sua cabeça. Mas profundo em um lago dentro do seu coração. Cedo ou tarde ele teria de mergulhar nas águas daquele lago, mesmo que a água estivesse fria e cortante como o gelo.
Mas suas mãos ardiam como brasa, e sua mente morna descansava tranquilamente embalado nas lembraças do abraço que não lhe pertencia mais. O fogo que lhe ardia, o fazia ter certeza de que atravessaria o temporal e encontraria o rio onde corre o doce mel da existência e lá o tempo se esqueceria para o afago que o levaria ao êxtase pleno.
Ele queria o mundo, porque o mundo lhe queria. Sua paz se construía sob a força da sua rebeldia, sua alma se perdia entre o barulho dos trovões, das gotas no telhado, do silêncio do seu lago, e no estalar das labaredas que incendiavam sua alma. Ele era um guerreiro, sem exército, sem armas, um guerreiro, que unicamente tinha uma guerra a enfrentar. E sabia, todas as balhas que valiam a pena, podiam ser ganhas somente com o poder das idéias e o clamor da paixão pela vida.
Talvez, quando realmente viesse a merecer ele encontraria aquela que era destinada à ele. Não teria de deixar sua guerra para viver isoladamente junto à sua doce flor, porque sabia, antes de tudo, ela era, também, uma guerreira. Muito melhor do que ele, por saber mais sobre a arte, na qual ainda era um tosco, a arte do verdadeiro amor.
Sabia que sua guerra era contínua e infindável. Mas sua luta pacífica e gratificante. Em breve, outros chegariam e juntos formariam seu exército. Em vários pontos do mundo eles já lutavam, mas se desconheciam. Ele ainda precisava melhorar suas habilidades, e não poderia esperar muito tempo parado. Tendo a tempestade ido embora ou não, logo teria que continuar seu trajeto. Precisava chegar ao ponto mais alto do cume e deixar fluir o seu canto, para ver se encontraria ecos.
Sob as pesadas gotas que caíam do céu, ele continuou sua jornada. Chegaria ao cume da montanha? Absolutamente. Não sabia quando, mas chegaria.