A invasão do hospital
Naquele domingo, como sempre fazia fui esperar a saída da missa. Não sei por que ao iniciar-se o sermão, resolvi entrar na igreja. Costumava esperar do lado de fora para encontrar-me com Martinha. Meus olhos a buscaram, mas não estava na missa, algo devia ter acontecido. Agüentei o sermão até o momento em que o padre, pronunciou uma frase que me fez enrubescer de raiva. “MULHER DIVORCIADA, É PROSTITUTA OFICIALIZADA”.
Saí da igreja andando rápido e sem nenhum cuidado para não fazer barulho. Eu queria fazer barulho mesmo e vários outros cidadãos locais me acompanharam. Chegando à rua, alguém me tomou pelo braço, era a Claudinha.
– Puxa! Você tirou bastante gente da igreja!
– Deixa pra lá! Você sabe da Martinha?
– Sim! Ela está no Hospital dos Passos, mas nada grave apenas um distúrbio estomacal.
Resolvi ir vê-la no hospital. Despedi-me de Claudinha e tomei o ônibus para o centro.
O Hospital fica ainda hoje na Rua 13 de maio, famosa desde minha infância por ser a rua dos cabarés da cidade. Hoje em decadência transformados em antros de distribuição de drogas. Domingo o horário de visitas era das 14 as 16 h e eram apenas 11,30 h da manhã. Depois de dar um inevitável cigarro a uma jovem prostituta, dirigi-me a recepção onde obviamente minha tentativa de cantar a recepcionista não funcionou, era domingo e só depois das 14. Mas para mim uma negativa nem sempre era a palavra final. Andei até as imediações do necrotério paralelo à fachada do prédio. O muro era alto e encimado por uma pequena cerca de arame farpado. Nada que significasse obstáculo ao que tinha em mente. Aos 18anos, eu apenas precisei tomar impulso e calcando o pé sobre o reboco irregular firmei as mãos na borda do muro e saltar o arame foi apenas um esforço extra para aterrisar sobre o canteiro paralelo tomando cuidado para não estragar alguns dos chás como hortelã, erva cidreira etc., plantados com carinho pela Irmã Cacilda.
Esgueirei-me rente ao muro até uma porta lateral que estava aberta. Entrei direto na cozinha.
– Você está perdido? Perguntou uma galega com cara de cozinheira de hospital.
– Sim! Estou convalescendo de febre amarela.
Isso gerou algumas cenas de cozinheiras fazendo o sinal da cruz como a proteger-se de um temível contágio. Andei sorrateiramente esgueirando-me pelas paredes e uma vez dentro do corredor que levava aos quartos, restou-me andar como se estivesse meio fraco, o que para mim na época não era complicado. Participava do grupo de teatro da escola e conseguia enganar bem.
Finalmente cheguei ao quarto de Martinha e me preparei para beijá-la na face, mas quem disse que Martinha permitiria simplesmente isso. Ela estava com o braço esquerdo tomando o soro e então com o direito, juntou meu pescoço e o beijo foi longo e apaixonado. Sussurrou ao meu ouvido.
– Gira a fechadura da porta.
– Martinha você não está pensando em...
– Estou sim! O que há! Está com medo? Você nunca foi frouxo.
Claro que ela já havia ligado a igni[ere]ção e estrategicamente deixara uma perna fora da coberta. Não havia como resistir ao perceber que a peça íntima de baixo, já havia sumido. A cama não era o que propriamente se pudesse chamar de adequada, mas na juventude o que menos contam são detalhes supérfluos. Entregamo-nos então ao mais doce prazer que a natureza teve a sabedoria de brindar-nos. E agora nem que metade da cidade invadisse o quarto, seríamos capazes de interromper o mais divino ato da criação. Martinha era assim, quanto maior o risco, maior o prazer e eu compartilhava dessa cumplicidade que fazia do nosso amor algo original e creio que por vezes até meio sádico. Ao final ajudei Martinha com a higiene pessoal, girei de volta a chave da porta e fui ao banheiro cuidar de minha própria aparência. Ela havia deixado o meu cabelo com a cara de uma roça de milho depois de um vendaval. Mal sai ainda abotoando as calças, quando a freira entrou para recolher o prato que Martinha nem havia tocado.
– Que lindo! Comentou a freira!
Meu coração saltou, mas felizmente o comentário dela foi...
– Vocês são tão parecidos, se não fossem irmãos dariam um belo casal.
Martinha sorrateiramente piscou um olho e eu pensei. Pobre irmã Cacilda, não sabe da missa a metade. Felizmente havíamos saído ilesos de mais esta. A freira saiu e ficamos comentando mais aquele ato de loucura.
– Sabe o que estou pensando?
– Com certeza em outro monumento público que transformaremos em motel particular, com o coração na mão mais uma vez.
– O campanário da igreja de São Francisco. Já imaginou?
– Se não desabarmos junto com a velha escada!
Mas agora algo estava me incomodando e não tardei a descobrir. Despedi-me de Martinha, tinha que jogar futebol e agora me sentia com as forças redobradas. Ao sair na portaria a recepcionista me olhou coçando a cabeça e eu apressei o passo antes que ela consultasse a lista de visitas. Chegando à rua, surgiu sorrateiramente uma inconveniente dor de barriga e me dei conta de que nem havia almoçado. Tratei de apressar o passo e tomei o táxi do Neco.
– Acelera tudo se não você vai precisar de muita água e sabão. Ele obedeceu e saiu a toda, com a mão na buzina e faróis ligados. Rapidamente o trajeto que durava em média 10 minutos deve ter sido coberto em menos de 5. Foi o quanto deu e acabei o resto do domingo sem poder me afastar mais de 5 metros do banheiro. Num desses intervalos a Claudinha apareceu. Ela havia chegado ao hospital logo depois da minha saída.
– Vocês são completamente loucos. A Martinha me contou tudo. Confesso que tenho inveja da coragem que vocês dois possuem.
– Ta certo, mas agora me da licença tenho algo inadiável. Não posso deixar o banheiro sozinho.