De volta ao passado
Ele chegou a casa da namorada eram cerca de 23 horas. Fazia alguns dias que estava em viagem de negócios e a saudade era grande. Trazia uma flor que apanhara a beira de um muro no caminho. Alice preparava-se para dormir e surpreendeu-se quando o viu entrando pela porta do quarto. Habitualmente ele fazia isso. Chegava silenciosamente e procurava surpreende-la.
– Dirceu? Você já está de volta? Falou Alice sentando-se na cama.
Ele não disse nada, apenas a abraçou e beijou com ardor. Ela correspondeu e tentou falar, mas ele a sufocou com um longo e sedento beijo. Ainda sem falar entregou-lhe a flor e a arrastou para o banheiro enquanto a despia. Ela o acompanhou e os dois envolveram-se em um turbilhão de paixões como se estivessem separados há muito tempo. Voltaram para a cama e uniram-se em um louco ato de amor que os fazia vibrar. Ao final ela deitou a cabeça sobre seu peito e murmurou.
– Puxa! Eu nem esperava você hoje! O que aconteceu que já está de volta?
– Um dos contatos falhou e eu resolvi voltar, se não teria que passar o fim de semana fora e eu estava com muitas saudades. Alem disso aquele cara é muito chato. Você parece surpresa!
– Sim, mas você está aqui agora e é o que importa. Também estava morrendo de saudades.
Eram já 3 horas da manhã quando finalmente decidiram dormir. Ele levantou-se e resolveu ir até a cozinha. Estava com sede e um copo de água gelada faria bem. Estava muito quente. Ao descer os primeiros degraus da escada que levava a ante sala da cozinha deparou com um homem aparentando uns 25 anos. Vestia um conjunto jeans estilo Country e empunhava uma arma com a mão esquerda. Ele sobressaltou-se e perguntou.
– Quem é você? O estranho absolutamente frio respondeu apontando para a escada.
– O namorado dela. Antes que ele pudesse responder o estranho puxou o gatilho. Ele sentiu o impacto da bala e desesperadamente tentava manter-se de pé. Levou a mão ao peito e sentiu seu sangue entre os dedos. Um gosto amargo veio-lhe a garganta. Suas forças o abandonavam e ele rodopiou girando sobre si mesmo e rolou escada abaixo.
Acordou caído à beira da cama de solteiro. Suava frio e seu coração pulsava como um tambor descompassado. Tentava lentamente situar-se no ambiente. Seu próprio quarto.
– Nossa! O que aconteceu? Eu caí da cama.
Falou em voz alta e só então percebeu que estava sozinho. Dirceu tinha agora 40 anos. Alice fora sua namorada na faculdade há mais de 20 anos. Sentou-se à beira da cama pensando e relembrando cada momento. Fora um sonho? Sim, mas como um sonho pode ser tão claro, tão nítido como se ele tivesse realmente vivido fisicamente aquele momento. Parecia ainda estar sentindo o aroma do perfume dela e seu corpo ainda sentia as reações normais comuns após um ato sexual intenso.
Mas, como ela tinha a aparência ainda de uma garota com 20 anos? Ela deveria ter agora uns 38 anos. Sua história com Alice durou apenas alguns anos. Ele nem lembrava quantos. Fora um romance tumultuado com momentos de intensa paixão e outros de brigas às vezes por motivos fúteis. Mas ele nunca a esquecera. Fora realmente a mulher da sua vida. Tanto que nunca mais levou um relacionamento a sério. Será que era possível que seu espírito tivesse voltado ao passado? E vivido aquela história em outro plano astral? A lembrança era real. Era como se tivesse acontecido realmente, mas como e onde buscar uma explicação? Costumava ter sonhos seguidos que eram quase reais, mas nada se comparava com este que acabara de viver. O estranho puxando o gatilho, o impacto da bala em seu peito. O gosto amargo e o sangue a jorrar de seu peito. Não conseguia entender o que estava acontecendo. Abriu a gaveta do criado mudo onde guardava alguns documentos e uma pasta contendo fotos, cartas e documentos dela da época da faculdade. Seus olhos arregalaram-se ao ver uma foto em que ela estava exatamente com a mesma roupa. Uma anágua de cetim branco que ele comprara pra ela. Lembrou que a surpreendera ainda na cama ao voltar de uma viagem quando fez a fotografia. Ficou ainda um tempo olhando a imagem idêntica em cada detalhe ao que vira no sonho.
Decidiu que iria procurar por ela. Nem sabia se ainda estava viva. Na manhã daquele dia foi procurar um amigo que lidava com computadores. Ele nunca se interessara pela novidade. Julio era um especialista e diziam que era um desses hackers´s capazes de invadir computadores. Tinha os dados dela consigo e Julio não tardou a localizá-la. Trocaram mensagens pelo Orkut e combinaram que ele iria vê-la em São Paulo.
Mal conseguia disfarçar a ansiedade de encontrar-se com Alice tanto tempo depois que a vira pela última vez. Durante o vôo relembrou cada etapa do sonho que tanto o perturbara. Tentava desviar o pensamento, mas não conseguia. Seu amigo Joel era espírita e já lhe falara sobre os sonhos que muitas vezes podem ser manifestações de espíritos interagindo com o mundo real, mas Alice estava viva e isto o perturbava. Ainda a amava e o fim do romance acontecera, porque já não agüentavam a instabilidade causada por brigas seguidas que na maior parte das vezes acontecia por ciúmes. Finalmente iria vê-la novamente e talvez agora, mais maduros conseguissem uma maneira de conviver em harmonia.
Ela foi apanhá-lo no aeroporto cerca de 22h devido ao atraso do vôo.
– Puxa! Você não mudou nada. Comentou Alice.
– Você está linda como sempre, não aparenta a idade que tem.
Os dois beijaram-se e parecia que a velha paixão reascendia com todo o vigor.
– Você casou? Perguntou Dirceu.
– Sim, mas estamos nos separando. Na verdade é meu segundo casamento. Estamos casados há apenas um ano e já estamos nos separando. Ele é muito ciumento. Brigamos e ele viajou, já faz duas semanas que não aparece.
Os dois foram para a casa dela no Morumbi. Era uma construção de dois pisos semelhante a que tinham e onde viviam na época da faculdade. Depois de um lanche o envolvimento natural aconteceu e acabaram na cama. O velho vulcão entrou novamente em erupção e os dois viveram momentos de pura entrega e emoção. Dirceu após o intenso ato de amor como sempre, sentia sede e resolveu ir até a cozinha.
– Traz um copo d’água pra mim?
– Claro! Falou Dirceu encaminhando-se para a escada ainda enrolado na toalha de banho. Mal havia descido dois degraus e alguém acendeu a luz no corredor. Ele estava ali parado com a arma na mão esquerda e na direita uma flor. Uma rosa igual a que dera a Alice no sonho. Seu pensamento agora voava e lembrou-se do sonho, só que agora era real. O estranho estava ali e lhe apontava uma arma.
– Hei! Quem é você?
– O marido dela! Falou o homem apertando o gatilho.