ZÉ MORTO E OS DIAMANTES

O Zé ganhara o apelido em suas lidas na colheita do fumo. Diariamente ao retornar ao acampamento exclamava,

'Estou morto!' Daí passou a ser conhecido por Zé Morto. Vivia com uma jovem que herdara o pedaço de terra em que viviam. Possuíam duas vacas leiteiras, alguns porcos, galinhas e plantavam algumas hortaliças. A renda que obtinham com a atividade da propriedade não era suficiente para o sustento da família. Um casal de filhos, o mais moço era dele, mas a menina era do casamento anterior de sua companheira Eva. Era ainda uma mulher jovem, bonita e dizia-se nas redondezas que não agüentaria muito a vida com o Zé. Falava-se que já andara lhe colocando alguns chifres ocasionais e que numa hora dessas, daria no pé. O Zé então para complementar a renda da família trabalhava em outras propriedades, colhendo fumo ou preparando a terra para o plantio. Zé não era homem de reclamar e abraçava o que surgisse desde que lhe desse alguma renda extra. Vivia sonhando com diamantes e uma vida de riquezas longe daquele lugar. Ouvira falar que diamantes eram muito valiosos, tanto, que alguns gramas poderiam fazer um homem rico. Conseguira juntar umas economias e sonhava viajar para a África do Sul. Diziam que lá havia muito diamante e que poderia ficar muito rico. Nem sabia pra que lado ficava isso, mas seu Paulino, homem culto, planejava viajar pra lá também e prometera levar o Zé com ele. Assim, o Zé dava duro, trabalhando até escurecer para juntar mais uns trocados. A velha casa da família já precisava de uns concertos, mas o Zé sempre adiava. Precisava guardar o máximo possível para a viagem. A casa ficava a beira de uma estrada e possuía um galpão já meio torto, um chiqueiro, galinheiro e um pequeno curral. Quase na divisa havia um pequeno riacho de água limpa e cristalina, que servia para matar a sede dos animais. A água para o consumo da família vinha de uma ponteira. Era um pouco salobra, mas dava para beber, para o banho da família e os afazeres da casa.

Finalmente depois de uma longa espera, chegou o grande dia. Seu Paulino marcara viagem para a próxima semana. Iriam de navio. Zé Morto ficou eufórico com a notícia e de imediato deu inicio aos preparativos para a viagem. Na véspera do embarque, andava pela propriedade já imaginando o que faria na volta com o dinheiro que iria ganhar. Faria uma casa nova, compraria mais umas terras e iria contratar trabalhadores, pois não precisaria mais meter a mão na terra. Desceu até o riacho, lavou as mãos e sorveu um pouco da água limpa usando as mãos como uma concha. No dia seguinte, despediu-se de Eva, prometendo que escreveria assim que lá chegasse. Abrira uma conta no banco e mandaria dinheiro pra ela todo mês. Eva acompanhou-o até a porteira, sem dizer nada. Ela não acreditava que aquilo pudesse acontecer e não falava porque sabia que não adiantaria. Voltou para seus afazeres e preocupações. Estava determinada a utilizar uma máquina de costura que sua avó lhe deixara. Era antiga, coisa boa, fabricada na Alemanha. Iria costurar pra fora. Sabia o ofício e só precisava conciliar o tempo pra dar conta de tudo.

Os dias foram passando e nada de carta nem notícia do Zé. Continuava sozinha, costurando, fazendo a lida, cuidando dos filhos e sabe mais o que. Ela nem era casada com o Zé, a propriedade era dela, tinha papel passado, tudo direitinho, como seu pai deixara. Estava cansada daquela vida e decidida a mudar. O Álvaro era um pequeno proprietário no lugar, mas, possuía alguns outros negócios e vivia muito bem. Já tentara algumas vezes fazer-lhe a corte, mas, Eva relutava. Não seria hora de tentar mudar? Afinal era um homem elegante, de fino trato e gostava dela. Não fazia segredo disso.

O tempo foi passando e Eva decidiu finalmente aceitar o pedido de casamento do Álvaro. Entregou o Filho do Zé pra mãe dele cumprindo o desejo da velha que sempre quis cuidar do neto. Casou na igreja, com direito a festa no clube e nem mais queria saber que fim levara o Zé Morto.

Dez anos se passaram e o Zé Morto finalmente, estava de volta. Na bagagem apenas suas velhas e maltrapilhas roupas. Nada de diamantes. Apenas alguns trocados no bolso. Andava com dificuldade, pois não estava bem de saúde. Uma forte dor no peito o incomodava ultimamente, além de uma perna machucada em um tombo. Não via hora de chegar e nem sabia o que dizer a Eva. Ele arranjaria uma história, era bom nisso e Eva como sempre, nem diria nada, iria mudar de assunto e contar alguma dos filhos. Eram umas dez horas da manhã e ansiava por ver seu filho e abraçar Eva. Afinal dez anos é um bocado de tempo e já tinha saudades do feijão com mandioca e pão de milho que Eva fazia e que era uma especialidade só dela. Rumou em direção a sua casa mas, ao aproximar-se do local, seus olhos pareciam mostrar-lhe uma alucinação. No local da velha casa, erguia-se agora um portentoso prédio. Um palacete. Um muro rodeava a construção e em frente a entrada estava estacionada uma Mercedes, último ano. Zé parou. Parecia que estava em outro lugar. Pouco abaixo dali havia um boteco que ainda estava lá. O dono mudara, mas ainda era o mesmo, com umas mesas na rua embaixo de um toldo. Uma mulher com ar cansado sentada em uma das mesas, comia um cachorro quente e tomava um guaraná.

– Bom dia, a senhora sabe quem mora ali?

- Ah, ali moram o seu Álvaro e a dona Eva, gente muito boa. Sabe o que se sucedeu ali?

Fofoqueira de plantão, a mulher ávida por contar o que sabia, nem esperou o Zé falar e foi logo buzinando. - O antigo marido da dona Eva, foi embora, atrás de diamantes e nunca mais deu notícias. A coitada ficou sozinha e precisava de alguém, precisava de um marido. Então ela casou com o seu Álvaro, dizem que ela já tinha um caso com ele e sabe o que se sucedeu? Eles então se casaram e foram morar na casa dele. Mas um dia seu Álvaro examinando a propriedade da dona Eva, pensava em vender, resolveu lavar as mãos no riacho que passa nos fundos do terreno e sabe o que ele viu lá? Não é que o tal riacho estava cheio de diamantes? Eles ficaram muito ricos. Agora só tem um caseiro lá. Eles foram pro exterior passar o verão. Imagine o senhor que o pobre diabo foi embora atrás de diamantes e deixou o riacho cheinho deles.

Zé não ouviu o resto do que a mulher dizia. Escureceu tudo e a dor no peito agora era insuportável e então as forças o abandonaram e ele agora jazia ali estendido ao solo.

Os olhos arregalados fitando o infinito, o corpo dobrado com as mãos sobre o peito. Zé Morto. Agora estava morto!

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 21/04/2010
Código do texto: T2211066
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