OS FANTASMAS

Lauro Winck

Vivíamos eu e Marta na pequena localidade de Rua Velha, próximo a Rio Pardo. Lugar pequeno, com uma estação férrea, naquela época ainda havia linha de passageiros entre Porto Alegre e Santa Maria. Uma meia dúzia de casas e um armazém além da igreja. Em nossa propriedade cultivávamos hortaliças e tínhamos um pomar. Voltávamos de ônibus de uma festa de São Nicolau e após o bairro de Ramiz Galvão sobre a ponte do Couto o motorista perdeu os controles do veículo e caímos no arroio sob a ponte. Morreu muita gente, mas saímos ilesos. Nós, mais alguns sobreviventes, resolvemos sair do local, pois havia cadáveres presos nas ferragens e Marta teve uma crise de nervos. Já víamos o carro de bombeiros e viaturas da polícia aproximando-se. Era noite e a lua clareava bastante o caminho. Seu Manoel nosso vizinho na mesma localidade nos acompanhava. Havíamos tentado ajudar, mas os sobreviventes estavam em boas condições e quanto aos outros, não havia o que fazer. Resolvemos seguir a pé, era uma longa caminhada e talvez surgisse uma carona. Foi uma boa caminhada e não tivemos a sorte de uma carona. Mas chegamos ainda cedo da noite, não era tão longe assim. Comentávamos a sorte de termos saído ilesos do acidente, pois o ônibus fora totalmente destruído e nem imaginávamos como havíamos saído praticamente ilesos. Despedimo-nos de seu Manuel e rumamos para casa. Naquela época não tínhamos luz elétrica em casa, era tudo na base do lampião de querosene. Não tínhamos um rádio, era privilégio ainda de poucos. Apenas sabíamos do acidente por ouvir os vizinhos falando. A vida seguia normalmente até uma quinta feira. Normalmente deitávamos sedo, sem rádio, não havia o que fazer e não tínhamos filhos, tentávamos sempre, mas sem resultado. Marta me acordou cochichando ao meu ouvido.

– Jorge, tem gente lá em baixo! Eu ouvi passos e murmuravam alguma coisa.

– Marta, me deixa dormir, tenho que levantar cedo amanhã. Mas ela insistia.

– Tem gente lá embaixo.

– Que horas são?

- Meia noite e meia.

– Está bem, vou dar uma olhada.

– Vou com você!

– Certo, mas não faça barulho.

Peguei o 38 carregado, que ganhara de meu pai pouco antes dele morrer. Andamos o mais silenciosamente possível e Marta agarrada ao meu braço, tremia feito vara verde. Descemos as escadas com cuidado. A casa era velha e qualquer rangido nos colocaria em risco. Do meio da escada, víamos a porta da sala de refeições aberta e ao redor da mesa simples para quatro pessoas, havia 4 pessoas, com as mãos dadas e uma vela acesa em um castiçal ao centro da mesa.

– Olhe, parece uma seção espírita.

– Será que fantasmas também fazem isso? Pensei que só os vivos faziam esse tipo de coisa.

– Jorge! Olhe, a tia Marilda está junto.

– Espere tia Marilda ainda não morreu.

– Será que enterraram sem a gente ficar sabendo?

– Sei lá. Mas é ela, vamos falar com ela.

– Espera! Se forem fantasmas, não vão ouvir a gente.

– Oi, tia Marilda! Falou Marta, com a voz trêmula. Nada, não houve resposta. Sentamos na escada e resolvemos esperar. Algum tempo depois, levantaram-se e dirigiram–se para a porta de saída iluminando o caminho com a vela. Voltamos para a cama e decidimos que no outro dia iríamos procurar por tia Marilda. Bem aos fundos de nossa casa, ficava o pequeno cemitério da localidade e tia Marilda morava na pequena rua entre o cemitério e o nosso pomar. Batemos, mas não havia ninguém em casa. Não havia ninguém na rua e decidimos voltar. Apenas um cão latia e arreganhava os dentes, mas não nos atacou. Bem o que não faltava por aquelas bandas era cachorro. Lembrei-me então de passar no cemitério.

– Certo, vamos até lá. O coveiro deve saber ou então procuramos nas sepulturas.

– Certo! Concordei e dirigimo-nos ao cemitério. Havia um senhor idoso, limpando uma sepultura e perguntamos.

– O senhor é o zelador?

– Não! Apenas limpo a sepultura da falecida. Respondeu o homem continuando o que estava fazendo.

Resolvemos então procurar em todos os jazigos e sepulturas. O cemitério era relativamente pequeno, mas parecia que tinha morrido mais gente do que a gente imaginava. De repente deparamos com algo que nos deixou perplexos. Havia uma sepultura onde a lápide dizia. “ AQUI JÁZ JORGE FERREIRA DA SILVA, NASCIDO EM 3 DE MARÇO DE 1927 - FALECIDO EM 13 DE ABRIL DE 1957”

– Marta, Jorge Ferreira da Silva, sou eu. Então estamos Mortos!

Marta soltou um grito de angústia,

- Olhe, nesta aqui sou eu!

– Então a tia Marilda, não morreu?

– Marta, os fantasmas somos nós e não eles.

– A seção espírita! Estavam tentando contato com a gente!

– Sim, o acidente! Nós morremos no acidente!

– Por isso saímos e ninguém se importou. O seu Manoel, ele também morreu!

O idoso que estava limpando a sepultura aproximou-se.

–Sim! Estamos todos mortos, eu também estava naquele ônibus.

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 01/04/2010
Reeditado em 01/04/2010
Código do texto: T2171056
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