HOJE QUEM PAGA SOU EU

HOJE QUEM PAGA SOU EU

FICÇÃO, SÃO BETO FERREIRA

O expediente na secretaria de fazenda do município parecia uma eternidade, nada de novo As mesmas histórias, tramas, tramóias, jogadas, e memorandos. Cópia fiel do dia de ontem, que servia de modelo para o dia de amanhã. Vez por outra, certa agitação com a mudança de um secretário, um novo prefeito eleito, que prometera acabar com a corrupção... Mas as coisas iam logo se acomodando, e as tramóias e jogadas voltavam com força total. “E como “dizia o Toledo- corrupto de carteirinha: Um freio de arrumação”

No meu pequeno apartamento de solteiro, que às vezes me parecia grande demais, raramente tinha ou se fazia comida. Na geladeira, além de umas latinhas de cerveja, jazia melancòlicamente, meio pão de forma e um pote de margarina diete, que eu detestava. Fazia, quando fazia, as minhas refeições na rua. O café da manhã na padaria, o pão quente com a manteiga derretendo, era o meu único prazer do dia, quase uma felicidade. Depois o prosaísmo burocrático da Secretaria de Fazenda. Quando não se falava de futebol, ou da vida alheia, o assunto mais comum, era a corrupção dos outros, naturalmente. E sempre a mesma coisa ao voltar pra casa. Depois que Adelaide me deixou, foi embora, ou apenas mudou-se sozinha para outra casa. Seja lá como for, ela não estava mais comigo., Ou estava? Estava sim, em cada canto da sala, no quarto, representada pelos frascos de perfumes vazios caídos na penteadeira, na escova de cabelo ainda com alguns fios presos, Talvez uma obsessão masoquista impedisse de me livrar daqueles objetos que pareciam sagrados para mim. Até os grampos enferrujados na saboneteira do banheiro denunciavam a presença de Adelaide, Seu riso escancarado ainda ecoava em meus ouvidos, aquela alegria infantil contagiante e única que me deixava a cada dia mais feliz , mais preocupado,e com muito medo, medo mesmo..

Conheci Adelaide no cabaré Lê Bistrô, que nunca deixou de ser chamado de casa de Carmô. O povo daqui, não é muito ligado em nome francês, nem a própria Camosina, que balizava as meninas com nomes afrancesados, para dar mais charme dizia. Adelaide não era uma das meninas de Carmô. Freqüentava a casa por gosto. Aquele ambiente de “pecado” como dizia as beatas do local, Aquelas cortinas de veludo grená, champanhe, fumaça e perfume barato, exerciam em Adelaide um verdadeiro encantamento. Não Ficava com homens no cabaré, digo, nenhum dos freqüentadores. Contava com a simpatia e amizade de Carmõ. Pagava sua própria conta, quando não estava acompanhada. Companhia que ele mesmo escolhia. Mulher independente e com grau de escolaridade acima da média das outras mulheres da região, o que não era tanta vantagem assim. Também não era muito bonita, charmosa sim, e de uma sensualidade incomum. A pele branca fazendo contraste com os cabelos negros, muito negros, lábios carnudos e vermelhos, que mesmo sem batom eram de enlouquecer qualquer homem. Eu era louco por ela... Às vezes eu a convidava para dançar, e ela sempre aceitava. Gostava de dançar bem junto com a mão no meu pescoço, enquanto deslizávamos pelo salão, ao som de um bolero, magistralmente interpretado, melhor dizendo, razoavelmente interpretado por Juanito Gancia, Gran Cantante mexicano. Cujo nome verdadeiro era Cleversom Aparecido, natural de Travessão, interior da Bahia. (Mais uma invenção de Carmosina)

Apareceu um dia no cabaré, magro e faminto, pedindo emprego e um cantinho pra dormir.. Qualquer coisa serve dona Carmô. Eu não tenho mais a quem pedir. Só me resta morrer de fome, pra roubar, eu não tenho coragem... Quase implorando.

Carmosina não era o que se pode chamar, de um coração de manteiga. Mantimha entre as meninas, uma disciplina severa, quase militar. Empregava um segurança, só pra manter a moral. Ozório, que apesar dos seus dois metros bem medidos de altura e seus cento e trinta quilos,, não era chegado a violência , “sou homi do diágolo como costumava dizer” E era verdade.. Quando a coisa esquentava, e saia do campo do entendimento verbal, era a própria “Dona Carmosina” como era tratada nestas ocasiões, quem surgia no meio do salão, com um trabuco calibre 38 na cintura, e uma 12 não mão, enquadrando o desavisado e restabelecendo a ordem no recinto.

No entanto, a história daquele rapaz a comovera. Havia passado pela mesma situação. Ainda mocinha, grávida e expulsa de casa. Foi buscar abrigo no bordel de Filomena, que acolhia e “empregava” os pobres anjos decaídos. ...lugar de quenga é na zona! Seu Aparício, nunca mais falou da filha.

Qual é o seu nome rapaz? Cleversom, sim senhora. Ta bom. Vou mandar arrumar o quartinho dos fundos. Também tenho que lhe arrumar alguma roupa. E um banho não lhe cairia mal. Você come na cozinha. E se ficar de assanhamento com as meninas, vai pro olho da rua, e com o couro quente. A ultima recomendação era desnecessária, Cleversom era homossexual. Fora expulso de casa pelo pai e pelos irmãos, que não aceitavam chibumgo na família. Assim era Dona Carmô. Sua capacidade de síntese. Não dava espaço para dúvidas ou questionamento. Sim senhora. E foi ficando por lá, praticamente inventando coisas para fazer. Queria mostrar serviço e gratidão.

Poucos meses depois, já estava com outra aparência, menos magro, e seu rosto, antes encardido, já apresentava aquele brilho, próprio das pessoas bem alimentadas. Andava tão feliz, que passava o tempo todo cantando, mesmo quando estava fazendo um trabalho mais pesado. Cantava razoavelmente bem, e tinha um repertório de boleros, de causar inveja a qualquer profissional.

Carmô gostava de ouvir os boleros apaixonados e passionais de Cleverson Aparecido. Aí que surgiu a idéia.

Cleversom chega aqui. Sim senhora dona Carmo. Tinha, além da gratidão, uma verdadeira veneração pela sua benfeitora. Bastava um olhar, e ele pulava feito uma mola, Sim senhora dona Carmô... Tenho um novo trabalho pra você. Sim... E antes que ele terminasse a frase foi logo dizendo: A partir de hoje, você vai ensaiar com os nossos músicos. E semana que vem você estréia como o novo cantor da casa. Comprou roupas novas e bem ao estilo dos cantores de bolero da época. E assim nasceu Juanito Garcia

O corpo de Adelaide colado ao meu, irradiava um calor que me embriagava de prazer. Sentia a sua respiração,... Meu coração acelerava quando ela acariciava a minha nuca. Dançava com os olhos fechados, repetindo baixinho a letras do bolero junto com o cantor. Perfídia, Hipócrita, Malvada... Por que será que ninguém faz um bolero, falando das mulheres lindas, honestas, amadas e fieis aos seus amados?

Quando eu tomei coragem, quase atropelando as palavras, falei dos meus sentimentos, amor, paixão... Eu já não estava falando coisa com coisa, tal era a minha ansiedade e medo de uma recusa... Você me quer? Perguntou com tanta naturalidade, que eu fiquei mudo por um momento, acenei a cabeça que sim, enquanto procurava o que dizer. Não encontrei. Eu também quero você, continuou, não sei até quando. E não quero lhe enganar. Não sei amar para sempre. Acho que eu não mulher de um homem só.

Eu estava tão feliz, que nem quis discutir o assunto. Não sou mulher de um homem só... Agora era. Minha e só minha, que se dane o resto, que se danem os homens e o seu passado.

Naquela mesma noite, foi para o meu apartamento, e no dia seguinte, eu não fui trabalhar. Estava empolgado. Saímos para comprar coisas novas,

Meu apartamento não era nada atrativo para uma mulher, e realmente precisava de um toque feminino. Adelaide estava um pouco excitada, mas não era perdulária, Procurava as coisas mais em conta, lençóis, toalhas fronhas, utensílios...Eu queria gastar. Tudo novo, tudo do melhor lindo especial... Lamentava que o meu apartamento fosse pequeno, ela merecia um palácio...

Minha vida mudou, mudou o meu humor, acho que eu fique até mais simpático. Eu vivia nas nuvens, queria me exibir, levá-la a lugares finos, vê-la bem vestida., viajar...Uma semana em Buenos Aires, lá sim havia os grandes cabarés de luxo. Lá estava o verdadeiro glamour. Mas o que eu queria mesmo era apagar o passado de Adelaide, não dos homens de sua vida, não me causavam ciúmes. Era o seu gosto pelo divertimento barato. Dançar na casa de Carmô, Aqueles boleros me irritavam. Adelaide cantava junto, fascinada pelas letras, tragédias, amores perdidos, traição... Era o mundo dela. Não ligava para jóias caras, ouro pedras... Queria se enfeitar. Não fazia diferença, um colar de sementes da feira rip, ou uma bijuteria de camelô...

Não sou mulher de um homem só. Aquela frase não me saia da cabeça. Desisti de levar presentes, ela agradecia, mostrava algum entusiasmo para me agradar. Depois me chamava de bobo, gastando dinheiro à toa.. Vamos lá na Carmô? Eu ia, contrariado, mas ia, sofrendo, mas ia... A chegada era sempre uma festa. Dona Carmô vinha nos receber pessoalmente, a música parava, para voltar com alguma outra, mais à gosto de Adelaide. Deslizávamos no salão, e como sempre ela acariciando a minha nuca, e com os olhos fechados repetia baixinho as letras daqueles sórdidos boleros. Hipócrita, malvada, Perfídia... Na voz de Juanito Garcia, que passei a odiar. Eu me sentia o homem mais invejado do Cabaré, e o mais ameaçado também. Não sou mulher de um homem só. Aquela frase...

A nossa vidinha foi se transformando numa vidinha mesmo. Não mais se ouvia o riso escancarado de Adelaide; A alegria dos primeiros meses, agora uma obsessão, medo, não de uma traição. Não era mulher de enganar; Apenas iria embora, tão naturalmente como veio. Vez por outra, eu mesmo convidava, para mostrar uma segurança que eu estava longe de sentir. Vamos lá na Carmô? Era a senha. Seus olhos brilhavam, e com uma rapidez inacreditável para uma mulher, se apresentava na minha frente, pronta e sorridente. To bonita? Sempre estava. Íamos andando de braços dados, enquanto ela ria e tagarelava o tempo todo. Estava feliz. Eu angustiado. Aquelas cortinas Grenás, O efeito da fumaça na luz negra, champanhe, perfume barato, e o maldito cantor de bolero.

Alguma coisa me dizia que a qualquer momento, ela iria embora, e eu nada poderia fazer. Pedir pra ficar,, implorar, comprar presentes? Nada, nada mesmo. Seus valores eram outros, e não dependiam de mim.

Quando chegou o momento, sofri um bocado, mas não foi surpresa. Uma tragédia anunciada, que nem ao menos foi tragédia. Sem briga sem drama Só não estava mais lá quando eu cheguei. O resto eu adivinhei Tomei um porre de cair, e só não chorei no ombro dos amigos, por que não tinha amigos tão íntimos assim.

Naquela semana não fui trabalhar. Liguei para a Secretaria, alegando problemas familiares. Falei como o Toledo, que mesmo sendo um tanto corrupto, não era um mau colega. Mexeu lá os seus pauzinhos, e me arranjou uma licença médica de quinze dias. Tempo suficiente para eu me recompor com uma certa dignidade.

Voltei à minha triste rotina, agora mais triste que antes. Nem o café da padaria, com a manteiga derretendo no pão quente, me dava prazer. E também não dava para esquecer Adelaide, presente em cada canto da sala. Tudo que eu via ou tocava, guardava uma lembrança, um cheiro... Só pensava em voltar ao cabaré de Carmô para vê-la. Um dia eu voltei. Quando me viu, não demonstrou emoção, ou constrangimento. Sorriu, e foi chegando pra perto, tão perto, que não dava mais para ver os seus olhos. Vamos dançar?

Colou seu corpo ao meu, como sempre fazia. Senti novamente o seu calor, a sua respiração... Acariciava a minha nuca, e com os olhos fechados, repetia baixinho a letra de Perfídia. Meu coração acelerado parecia que ia explodir. Não entendia bem, se era prazer ou tortura. Tudo, tudo igual. O calor do corpo de Adelaide, cortinas de veludo grená, champanhe, fumaça, perfume barato, e o maldito cantor boleros. A música terminou, eu não sabia o que poderia acontecer depois. Não aconteceu nada. Ela voltou para a mesa onde estava quando eu cheguei, eu fui tomar uma bebida em pé no balcão. Depois saí.

Voltei outras vezes, mas não dançamos. Ficava observando. Ela ria alto como era seu costume, e ficava em silêncio, quando a música começava. Parecia em transe. Bebia cada palavra dos dramáticos versos de amor e traição, que para mim soavam ainda piores.

Naquele dia, não fui trabalhar, também não telefonei para avisar. Ainda era cedo, comecei pelas gavetas, papéis, fotografias, coisas que eu escrevia para ela, quando eu inventei de ser poeta Não tinha o menor jeito. Depois os frascos vazios de perfume na penteadeira, os grampos enferrujados na saboneteira do banheiro... Abri as janelas para o sol entrar. O apartamento já estava cheirando a mofo. Varri, limpei, desinfetei, exorcizei geral. Tomei banho, me barbeei, mudei de roupa, e fui almoçar num restaurante perto. Não era o melhor da cidade, mas a comida era boa, e eu queria comer bem. Depois do almoço, voltei pra casa, e dormi o resto da tarde. A idéia era dormir até o dia seguinte, mas alguma coisa começou a me incomodar. Era a música alta que vinha do apartamento do vizinho, Um antigo samba canção, na voz inconfundível de Nelson Gonçalves, que fechavam com os versos, que foram feitos sob medida para me atormentar: “Aceito seus erros/ pecados e vícios/ pois na minha vida/ meu vício é você. Adelaide iria adorar, aposto. Aprontei-me de novo, escolhi a minha melhor roupa, com calma e esmero. Mas na minha cabeça, pensamentos terríveis vervilhavam. Precisava vê-la, nem que fosse pela última vez. O cabaré ficava perto, e eu fui andando devagar. Ainda era cedo, e a casa não esta cheia. Adelaide já estava lá. Quando me viu, acenou pra mim, sorriu, acenou de novo, mas não me convidou para sua mesa, embora estivesse sozinha, talvez esperando alguém.

Procurei outra mesa, não muito perto, mas que eu pudesse observá-la discretamente

Encontrei a ideal, Em frente ao palco, mas depois da pista de dança. A mesa de Adelaide ficava também perto da pista e do palco, que não era bem um palco. Um praticável de pouco mais de dois metros por um e meio, e uns cinqüenta centímetros de altura, onde se espremiam os músicos, e o abominável Juanito Garcia.

Carmô não perdia um só detalhe do que acontecia na sua casa. Chamou uma das meninas e mandou que me fizesse companhia. Eu era além de cliente, um bom amigo, e merecia uma atenção especial.

Lucy era nova na casa, uma tanto tímida, e ainda não tinha o traquejo das outra, e nenhuma prática de arrancar dinheiro dos clientes. Qual é o seu nome menina? Perguntei só para puxar assunto. Eu sabia que era Lucy, nome inventado por Carmo, e que seu nome verdadeiro era Edivania, seduzida pelo filho do patrão, e expulsa de casa pelo pai, que por covardia, achou mais certo expulsar a filha, do que enfrentar os canalhas, pai e filho. Ele é homem, tentou justificar a covardia. História igual para todas as moças dos bordéis.

Às vezes fico a imaginar o que seria delas, se não existissem também, as filomenas e carmosinas espalhadas por esse mundão de Deus, que só não pode ser chamado de terra de ninguém, por que, aqui tudo tem dono, Terra, gado, plantação, delegado, juiz, gente, voz e voto.

Pedi um bom conhaque importado, francês, para ser mais exato, enquanto Lucy tomava um suco de fruta, com seu jeitinho tímido, e com muito medo de não agradar. Carmô não gostava que as meninas consumissem álcool durante a função. Algumas eram fracas pra bebida, e acabavam dando alteração. E, além disso, ninguém acreditava naquela história do garçom servir guaraná para as meninas em copo de whisky para engordar a conta. “coisa de puteiro de beira de estrada”

Observava Adelaide. Já não estava sozinha. Na sua mesa havia um casal, antigos freqüentadores, e um homem de quase uns sessenta anos, se exibia, gastando dinheiro a rodo. Velho babão, tentando impressionar

Aproveitei para dar um pouco de atenção para Lucy, que estava mais solta, tagarelando animada, Gostei disso. Começou a falar de uma tia, que morava em São Paulo. E estava abrindo um salão de cabeleireiro e manicura, lá num bairro chamado Mooca, Só estou juntando um dinheirinho pra não chegar lá dando despesas. A tia é pobre, e eu quero ir pra ajudar. Falava com firmeza. Apreciei o caráter da menina.

Começou a função. Os músicos se acomodaram, e a guisa de cumprimento, brindaram o público com um bolero bem sanguinolento, ao mesmo tempo em que adentrava o recinto, o abominável e aplaudido, Juanito Garcia. Gran cantante mexicano. Impecavelmente vestido, com uma calça preta, de um tecido leve e brilhante, cinto largo com detalhes em metal dourado, e uma camisa de seda branca, com as mangas largas, que se estreitavam no punha. A seda branca fazia na luz negra, um efeito azulado que valorizava bastante a figura do cantor, e provocava certo frenesi entre as meninas.

Adelaide, maravilhosa como sempre, cantava baixinho todos os boleros, junto com o cantor. Lembrei dos versos cantados por Nelson Gonçalves: Aceito seus erros/ pecados e vícios/pois na minha vida/ meu vício é você. Lucy continuava tagarelando, mas eu já não entendia qual era o assunto. De vez em quando eu sorria pra ela e balançava a cabeça, só para ser gentil.. – Não sei amar para sempre. Acho que eu não sou mulher de um homem só. Ela não me enganou, eu me enganei. Tinha um bom emprego, terras, e casas de aluguel, que recebi de herança. Enfim, poderia oferecer uma vida de conforto para qualquer mulher, Se eu quisesse poderia levar Lucy para viver comigo. Ela esqueceria a tia, São Paulo, salão de cabeleireiro na Mooca... Mas eu não queria, Seria até maldade.

Discretamente, dei uma olhada na minha carteira.

Tinha dinheiro bastante. Juntei tudo sem contar. Deixe-me ver sua bolsa, pedi, sério, quase uma ordem. Lucy entregou-me a bolsa meio assustada, e diante dos seus olhos arregalados, coloquei todo o dinheiro. Isso é pra você ir pra São Paulo... Divertia-me com seu riso nervoso, sem saber o que dizer. Guardei de novo a carteira vazia, enquanto acariciava o cabo do revolver, com sádico prazer, antevendo os acontecimentos, que sem dúvida causaria o maior reboliço, e seria lembrado por muito tempo, para o gáudio das beatas da cidade que odiavam “aquele antro de perdição” Você não quer uma bebida? Peça o que você quiser. Champanhe! Champanhe! Ignorou as regras da casa. Mas naquela altura, nada mais importava, ela iria para São Paulo. Eu...

Chamei o garçom. Tem champanhe? Sem dúvida senhor. Tem bastante? Mesmo sem entender, respondeu: Tem sim senhor, tem muita... Traga por favor, uma garrafa pra mim, e uma para cada mesa. Por minha conta. Começou um cômico burburinho entre os garçons e os clientes que aproveitavam a bebida grátis, mas não entendiam a novidade.

“Os músicos voltaram, e “o cantor atacou, Perfídia” Adelaide fechou os olhos, enquanto, para o meu desespero, repetia baixinho a letra. Depois do estampido, a fumaça do tiro formou uma nuvem azulada no meio da pista de dança. Foi lindo o efeito na luz negra, quando na altura do peito, na camisa imaculadamente branca, desabrochava uma rosa vermelha. Perdi Adelaide para sempre, e matei o cantor de boleros.

Fim da primeira parte, se.

houver a segunda.