UM OLHAR PARA SI MESMO

Eu passava pela calçada num final de tarde de outono, naquela hora em que o sol já ensaiava descansar no crepúsculo.

Meticulosamente eu olhava para o cenário da minha rua, quando um flamboyand me chamou a atenção, porque assim como o sol, já dum tom amarelado, também dispensava ao chão suas últimas folhas do verão, cuja crepitação pude sentir como um tapete sob os meus pés.

De um de seus galhos mais altos, um minúsculo passarinho, talvez um Tico-Tico, cantava estridulosamente, um canto que a mim mais me parecia um grito.

Por breve momento, diante do canto tão forte, cheguei a ter a impressão que pudesse estar preso numa gaiola dependurada na sacada d'algum apartamentos dali.

Continuei minha caminhada da tarde, pensando em como os passarinhos são felizes apenas por encontrar um galho a balouçar no ocaso do outono...no acaso do tempo.

Como daquelas poucas vezes que temos tanto...em tão pouco...

Naquele meu ir e vir pela rua, percebi que alguém havia se juntado a ele, que continuava freneticamente a cantar. Agora eram dois Tico-Ticos agitados a alegrar o meu percurso.

E cantavam e pulavam e trombavam-se entre si, a envergar o galho da cansada árvore, fazendo-me investigar se algo mais acontecia por ali.

Não pude deixar de sorrir.

Fixado a uma parede , na entrada duma garagem, quase encostado ao flamboyand, um enorme espelho amplificador das imagens, refletia os dois passarinhos ensandecidos...

Pus-me a deduzir que talvez estivessem muito assustados com a própria imagem amplificada, e lutavam contra a visão de si mesmos.

Como é difícil nos enxergar pelos espelhos que amplificam com exatidão as nuanças da nossa existência.

(verídico)