O gelo sobre a Rússia
No dia em que a terra tremeu, eu conheci você. O ônibus já estava andando quando vi você sentar-se a minha frente de costas para mim. À medida que o ônibus tomava velocidade o vento entrava forte pela janela, seus cabelos tomaram vida e esvoaçavam-se no meu rosto. Estranhamente isso não me incomodou, pelo contrario, eu gostei. A cor deles me remetia aos finais de tarde da minha infância, e o seu cheiro me lembrava lençóis de seda. Nunca me deitei em lençóis de seda, mas imaginei que se eu deitasse em lençóis de seda com aquele cheiro, eu nunca mais iria querer me levantar, tamanha leveza do seu aroma.
No dia em que a terra tremeu, eu coloquei meus fones e recostei a minha cabeça na janela com os olhos fechados, numa espécie de transe, com o vento, seus cabelos, e seu cheiro, comecei a me perguntar quem poderia ser você, se existia alguém pra te fazer bem assim como você estava me fazendo sentir, se alguém te fazia sorrir. Tive vontade de sentar ao teu lado e dizer: - Olá. Dizer que há tempos eu andava distante de mim, que eu andei por muito tempo sendo frio, não tinha mais o calor nas veias, aquele que faz o coração aquecer sentimentos, queria dizer que até aquela tarde eu era o gelo sobre a Rússia, mas eu hesitei. Então você levantou e desceu antes de acabar a música, já na calçada tomou a direção oposta do ônibus que arrancava tomando velocidade mais uma vez. Dei-me conta de que você saia da minha vida da mesma maneira que entrou como a paisagem que eu via da janela, passando rápido e fugindo dos meus olhos, como muitas coisas na minha vida,fiquei ali, só as vendo passar. Então a musica acabou e a próxima parada chegou. Decidi que você não seria mais uma paisagem passando, mais uma ceninha de romance platônico pra lembrar depois de umas doses de vodka. Então eu tirei os fones dos ouvidos e quando o ônibus já estava de saída eu pedi para descer, pulei na calçada e me virei na tua direção, e foi ai que a terra tremeu.