O BEIJO DA ARARA
O BEIJO DA ARARA
Cinquentão separado, e com trinta dias de férias pela frente, Mariano encontrava-se dentro de um confortável ônibus leito. Já estava impaciente e ansioso pela primeira parada, sua boca secara, pois sua compulsão por bebidas alcoólicas era muito grande, o trago que tomara antes do embarque, já perdera seu efeito, sabia que se ficasse sem beber, suas mãos logo começariam a tremer.
Mariano era um homem sem objetivos, trabalhava, mas a maior parte de seus salários, gastava nos bares. Considerava-se alcoólatra, por conta disso perdera a família, pois era um irresponsável declarado, acostumara-se com a vida de solitário e descomplicada.
Trabalhava, bebia e quando podia viajava. Seus olhos miúdos brilharam de alegria ao
perceber que enfim o ônibus estava parando. Como um bólido, levantou-se da poltrona,
queria ser o primeiro a desembarcar para matar a sede infernal que sentia. Com olhar ansioso, aproximou-se do balcão e foi logo pedindo:
--ô cara, me vê umas latas de cerveja, mas antes, dá um “rabo de galo”, pra quebrar o gelo.
Prontamente foi atendido, ingeriu a bebida num só trago, colocou as latas num saco plástico e abandonou o restaurante abraçado ao seu tesouro, sentiu-se revigorado e eufórico, abriu uma lata de cerveja, bebia enquanto caminhava e esperava seu ônibus sair.
Caminhou por um jardim de azaléias multicoloridas, um pequeno circulo de pessoas despertou sua curiosidade, com modos rudes, acercou-se do grupo, ficara curioso, queria descobrir o que estava acontecendo. Havia numa espécie de cercado, uma bonita arara colorida, acorrentada em seu pedestal. Mariano ficou extasiado com aquela visão, o animal gritava fazendo o maior estardalhaço, só faltava falar.
Por já se encontrar alterado pelo efeito da bebida, nosso herói nem percebeu as placas de advertência.
--Não dê comida para a arara.
--Para sua proteção, não ultrapasse o limite do cercado.
Ele não leu, pois estava realmente encantado com a plumagem majestosa da arara, num salto espetacular, pulou a pequena grade de proteção, e com o braço estendido aproximou-se do animal e foi logo pedindo:
--“Dá o pé loro”.
A arara não se fez de rogada, subiu na mão de Mariano e foi galgando seu braço até chegar ao ombro de nosso herói, que sentiu como o animal era pesado e também percebendo que
fizera uma besteira, pois o animal começou a mordiscar seus cabelos e depois com bicadas mais violentas, rasgava as orelhas do intruso, que começou a berrar sob olhares acusadores e zombeteiros das pessoas que assistiam aquele show inusitado, não sabia o que fazer e gritava:
--Acudam-me, por favor.
Com espanto ouviu alguém dizer:
--viu só? Foi mexer com quem está quieto.
Outros diziam: não sabe ler?
Seu rosto, já se encontrava coberto de sangue, e quando o animal deu uma sonora mordida em seu lábio superior, ele se desesperou, num gesto violento, agarrou o pescoço da arara e soltou apenas quando percebeu que o animal parara de se debater.
Ficou assombrado ao perceber os olhares carrancudos das pessoas, todos lamentando a morte da arara, sem se preocupar em socorrê-lo.
O jardineiro apareceu acompanhado de mais dois homens, estes bem vestidos, aproximaram-se do animal inerte e constataram sua morte, olharam para nosso herói de semblantes fechados, um deles disse:
--O senhor terá que nos acompanhar até a delegacia da policia florestal.
Mariano com espanto resmungou:
--Porque isso agora? O animal me atacou, eu apenas me defendi.
--O senhor não sabe ler? Veja as placas.
--Mas eu não posso ir pra delegacia, tenho que cuidar dos meus ferimentos, além disso, estou em trânsito, meu ônibus está prestes a seguir viagem.
--Sinto muito senhor, não poderá viajar agora, vamos primeiro para a delegacia, depois faça o que bem entender. Mariano foi intimado a entrar no camburão, na delegacia tentou se explicar, mas não teve jeito, pagou a fiança para ser liberado, depois procurou um hospital.
Voltou para casa completamente arrasado, perdera o ônibus, dinheiro e também o prazer de viajar, com a frase do delegado ecoando em sua mente:
--A bebida é a raiz de todo infortúnio que acomete as pessoas.
Estirado em sua cama, murmurava: --Preciso para de beber...