BOA NOITE MEU CARO MONSTRO. - PRÓLOGO
"Boa noite meu caro monstro" será meu próximo e-book. Estou colocando o prólogo como conto para que vocês vejam o teor da história. Espero que todos gostem. Críticas, elogios e sugestões são sempre bem-vindos. Um abraço a todos os amigos do recanto.
ps: Sim, é um pouco longo...
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- Beto!
A voz suave da mãe de Roberto o fez lembrar tempos mais simples e felizes, onde as noites mal dormidas, o medo e os monstros em seus pesadelos não existiam. Há tanto tempo ele não ouvia chamarem-no dessa forma... Causava-lhe até certa melancolia pensar que algum dia ele já havia sido feliz.
- Você já vai filho? Mas ficou tão pouco! Ainda nem escureceu.
'É exatamente por isso que eu estou indo.' – Pensou Beto.
- Eu preciso mesmo ir mãe. Já me despedi do pai, mas não encontrei você.
- Eu estava preparando uns biscoitos com café pra gente.
'Café e biscoitos. Isso existia?'
- Mas eu preciso mesmo ir.
- Tudo bem então, toma cuidado no caminho, têm muito motorista doido por aí.
'Nenhum motorista me preocupa mais...'
Em trinta minutos Beto, conhecido pela maioria agora como Dr. Roberto, Seu Roberto ou Nunes – seu sobrenome – já estava próximo de seu segundo compromisso naquele dia. Primeiro uma despedida caso tudo dê errado, depois as encomendas.
Estava tudo como de costume nos últimos três anos: os livros, os pergaminhos, os materiais místicos. E algo novo dessa vez: uma besta. Uma besta é uma arma que dispara flechas, mais potente e mais precisa do que um arco e, nesse caso, adaptada para lançar projéteis maiores e mais pesados.
Quando Beto entrou no carro e viu as estacas no banco do carona, já não era mais Beto, o filho, nem Dr. Roberto, o cirurgião, nem Seu Roberto, o morador do 407 da rua São Clemente, nem Nunes, o rapaz de trinta anos. Ele o Caçador.
Às 20:00h, Caçador se encontrava sentado no bar do Clube Brothehood, esperando seu alvo, como fazia há um mês e meio.
'Boa noite meu caro monstro, a eternidade será curta pra você.'
O Caçador ficou observando, como havia feito no último mês, como havia feito com cinco outros monstros, como estava fazendo para o próximo da lista. Ele sentiu a adrenalina em seu corpo, e também remorso por gostar da sensação. Sentiu o calor que lhe subia enquanto esperava para agir. Levou três horas para que algo diferente começasse a acontecer.
Eram onze da noite quando o vampiro saiu acompanhado de uma mulher jovem, como Caçador sabia que era de sua preferência. Desde que Caçador havia encontrado aquele monstro passaram-se dezesseis tocaias. Em nove delas o monstro havia saído da boate com uma mulher jovem, quase sempre loira, sempre uma diferente em cada vez. Como Caçador havia descoberto em suas caçadas anteriores, nem sempre uma vítima de um vampiro morre depois de ser usada como “alimento”, além disso, até hoje nenhuma delas havia se transformado em outro vampiro; Caçador havia se encarregado pessoalmente de checar, tocaiando os hospitais ou a casa em que as vítimas iam após o ataque. A verdade é que Caçador já não era apressado na caçada. Nas duas últimas, uma aberração deformada que caçava nas favelas próximas ao centro e se escondia do sol em catacumbas secretas perto da Baía de Guanabara e este monstro que parecia ter saído de um show dos Sexy Pistols, Caçador aguardava conhecer o alvo, observava o que acontecia para intervir somente se a vida da vítima realmente estivesse em risco, para atacar com a certeza absoluta de que destruiria o monstro.
Mas o deformado matou um morador de rua uma vez e esse monstro também já sugou uma jovem até secá-la por completo e você nada fez.
...
É para um bem maior. Se eu atacasse não só a vítima morreria, bem como eu e, consequentemente todas as outras que ele caçaria sem que eu estivesse aqui para detê-lo.
'Algumas vezes os fins justificam os meios', Caçador costumava dizer para si, e 'não se torne você também um monstro', 'não se torne o mal que você pretende extinguir'.
Perdido em seus devaneios, Caçador quase deixou que o monstro escapasse às suas vistas. Nas últimas noites ele andava distraído, falando consigo mesmo, tentando se redimir e explicar. O medo de estar enlouquecendo passou por ele. Talvez ele estivesse louco, nenhum desses vampiros existisse e ele fosse o monstro psicopata que estava matando pessoas inocentes por aí.
Não, você tem provas mais que contundentes da verdade. – Pensou, acariciando o pescoço – Termine seu trabalho.
Caçador seguiu o casal nada convencional: um punk pálido e uma boneca de porcelana da alta sociedade que havia resolvido tomar speed ou qualquer coisa parecida. Ele os perseguia de longe e os dois não o notaram. Ele era especialmente talentoso com perseguições como havia descoberto com o tempo e a prática. O que Caçador ainda não sabia é que uma história paralela à sua estava acontecendo...
Duas horas antes, Jason e seu grupo haviam estacionado no Clube Brotherhood seguindo a indicação de um contato confiável. Eles eram quatro. Vinham caçando vampiros há um ano, desde que Jason voltara de sua última viagem à África. Tudo por uma coincidência em uma birosca no Centro da Cidade, mas isso é uma outra história...
Os quatro já haviam destruído um grupo de oito vampiros na Zona Norte, uma caçada que durou quase seis meses entre sucessos e fracassos e a morte do quinto amigo e caçador, Ramon. Mas lá estavam eles, de pé, observando para encontrar os próximos oito ou oitenta. Não se importavam, o objetivo final era maior.
Eles se separaram pela boate e buscaram indícios da atividade vampírica. Foi Jason quem viu o punk pálido, rodeado de pessoas que o idolatravam. Todos bebiam, riam e dançavam, menos ele. O punk só observava. Pediu um copo de vinho, mas sequer levou a taça à boca. Depois de algumas horas chegou perto de uma garota com quem não havia falado a noite toda e em dois segundos estava levando-a para fora do Clube. Quase certeza.
Jason saiu do Clube logo depois do casal, chamando seus amigos no caminho. Ele e Luís foram de carro, passando pelo casal e fazendo uma curva adiante. Jason estacionou na sombra e Luís foi para o outro lado da rua, escondendo-se atrás da parede de um beco. Eles esperaram, quando o vampiro chegasse até aquele lugar, receberia chumbo dos dois lados. Enquanto isso os outros dois vinha atrás, para avisar qualquer coisa estranha que vissem. Perfeito.
Mas nem tanto...
Caçador se encolheu instintivamente quando o vampiro olhou pro lado no momento que um Nissan prateado nada discreto passou correndo por ele. Parecia que a posição em que estava ainda não havia sido revelada, mas por muito pouco.
A rua era larga e fazia uma curva para a direita mais adiante. Os três iam pela calçada, Caçador mais atrás, com toda a cautela. No entanto, por um segundo Caçador acreditou ter perdido o casal de vista, só para perceber logo em seguida que o vampiro levara a garota para um beco à direita, antes da curva no fim da rua. O beco era estreito com pouco mais de um metro e meio de largura, e seguia por quase vinte metros antes de virar à esquerda. Caçador não sabia, nem o grupo de Jason, mas essa curva saía exatamente onde Luís estava de tocaia.
O vampiro encostou a mulher na parede, bem na curva entre as duas partes do beco. As mãos do monstro escorregavam entre as pernas da vítima, a mulher em transe, sem saber exatamente o que estava acontecendo, deixando o pescoço e o colo à mostra, vívidos e desprotegidos contra as presas do vampiro. Mas não hoje, não esta noite, não essa moça.
Caçador pegou a besta em seu sobretudo. Mirou. Fechou os olhos. Invocou as energias místicas que aprendeu a controlar quando começou a caçar monstros. Sentiu o poder fluir em seus braços e se concentrar na madeira da estaca. Agora a estaca “procuraria” o coração do vampiro quando lançada.
Ao abrir os olhos se deparou com uma cena que não esperava. A garota estava de pé, desnorteada, em transe, mas nenhum sinal de vampiro. Caçador olhou em volta rapidamente, mas não achou o monstro em lugar algum.
Não longe dali o vampiro se esgueirava para perto do homem agachado no fim do beco. Caçadores! Havia tempo o vampiro não topava com um deles. Ele havia escutado histórias de que alguns vampiros da cidade haviam sido destruídos por caçadores e também um bando de vampiros forasteiros que estavam tentando tomar a Zona Norte. Para ele isso eram histórias de algum ancião paranóico ou muito esperto que usou uma mentira para poder matar alguns inimigos. Mas aquele homem agachado com uma pistola na mão e um crucifixo no bolso com certeza era um caçador.
- Boa noite. – O vampiro sussurrou no ouvido do caçador.
Luís teve tempo apenas de olhar para trás e ver a maldade nos olhos do vampiro. O monstro o pegou com a força de um touro e o arremessou contra a parede do beco. Tudo se apagou.
Do outro lado da rua, Jason descarregava suas duas Ingram Mac 9 mm no corpo do monstro, ainda tentando entender o que estava acontecendo. Enquanto isso Caçador já estava na outra ponta do beco mirando o vampiro. A moça parecia ter acordado do transe por culpa dos tiros e já estava correndo e gritando.
O vampiro parecia mal ter sentido os tiros. Ele estava de pé, olhando para Jason com um sorriso maldoso. Caçador estava desnorteado, e Jason ainda mais. Quando o vampiro movimentou-se para atacar Jason, Caçador, ainda escondido do olhar do vampiro, atirou sua estaca. A madeira entrou pelas costas do monstro, na direção exata do coração, mas não fundo o suficiente para atravessar o seu peito.
O monstro cambaleou e caiu ajoelhado, olhando para trás. Viu Caçador sacando uma nova estaca. Do outro lado Jason já recuperava o fôlego. No fim da rua mais dois vinham correndo, armas em punho. Ao longe, o vampiro já escutava as sirenes de polícia.
Em um segundo, o vampiro moveu-se tão rapidamente que Jason, Caçador e os outros mal puderam entender o que havia acontecido antes de perceber que o monstro tinha fugido correndo.
A seqüência aconteceu mais devagar, mas pareceu ainda mais rápida dada a junção dos fatos. Jason entrou no carro e dirigiu para o beco. Caçador colocava Luís no banco de trás e entrava do seu lado, tentando estancar o sangue de seus ferimentos e gritando que deveriam ir a um hospital imediatamente.
Agindo no automático Jason deu ré, esperou os outros dois amigos entrarem e partiu cantando pneus, chegando ao hospital somente cinco minutos depois que a polícia chegava onde eles travaram a batalha.
Quase uma hora depois, o amigo “atropelado” do Dr. Roberto já se encontrava estável.
- Ele vai ficar bom. Quebrou três costelas, colocou doze pontos na testa e vai precisar de dois pinos no antebraço, mas teve sorte em não perfurar nenhum órgão.
- Nem sei como lhe agradecer Dr. Você salvou a vida dele. E aminha também.
- Não precisa agradecer. Mas pode me chamar de Beto. Agora... Temos outras preocupações.
Os quatro se olharam.
- Acho melhor continuar aqui até o amanhecer. – Beto continuou falando. – Pode ser que ele esteja observando, e se sairmos agora ele irá nos perseguir até nossas casas. Amanhã poderemos conversar sobre o que aconteceu e o que vamos fazer.
Houve um acordo tácito entre eles. O punk deveria ser destruído. O quanto antes.
Mas o punk também tinha seus planos...