Último Colóquio (Final).
Último Colóquio (Final).
Um vulto encontrava-se sentado nele, e aproximando-se mais um pouco, pode ver que o que quer que estivesse sentado nele, trajava um manto negro rasgado. Viu uma das mangas e o capuz levantarem-se e pode ver a mão e o rosto cadavéricos daquele que estava ali, diante dele.
Ficou petrificado de tal forma que não pode nem mesmo desviar os olhos dos orifícios onde os olhos daquilo deveriam estar. Então, a voz que saiu das mandíbulas daquela coisa ali sentada penetrou em sua mente, e não em seus ouvidos, como se lhe falasse por telepatia, e de uma maneira que ele jamais poderia esquecer, mesmo que vivesse por mil vidas:
-Todos que entram aqui podem sair. São livres para fazê-lo, basta, para tanto, acharem a saída. Tu, contudo, trilhaste teu próprio caminho, o caminho de teu medo e desespero, e chegaste até mim. Eu sou aquela que todos temem, que todos odeiam e que ninguém espera, embora todos saibam que, um dia, cedo ou tarde, os visitarei. Chamam-me Morte. Tu ignoraste meus avisos, e agora deves vir comigo. Espero que tua última refeição tenha sido aprazível. Era teu prato favorito, sabes? Mas tu demoraste, e eu me demorei. Contudo, não falho.
E, talvez por um surto de coragem, talvez por um surto de desespero ou um surto de loucura, não há como saber, ele disse:
-Mas eu, bem... eu... eu esperava ser alguém importante, famoso, que fizesse a diferença para o mundo.
-Isso é o que todos esperam e acham. Só que, enquanto tu, e muitos outros como tu apenas esperam ser, e esperam, e esperam até que eu venha a visitá-los, outros, como Da Vinci, Flamel e Einstein esperam e o são. Agora responda-me: tu sabes o porquê disso? Porque eles agem! Eu visitei, visito e visitarei à tudo e todos, sem distinção de raça, cor, credo, idade ou sexo. Visitei papas e mendigos, camponeses e monarcas, rainhas e atores, heróis e vilões. Eu existo desde sempre, e para sempre existirei.
-Mas porquê...
-Porquê a vida precisa ser renovada. Visito todos, e visito tudo. Torno pedras em areia, e destruo árvores, para que sirvam de fonte para novas mudas, e desfaço corpos decadentes, como o teu, para que novos ocupem o espaço que outrora o teu ocupara.
-Mas como “decadente”? Eu só tenho vinte e três... porquê?
-Vocês humanos, com seus “mas” e “porquês”... Tudo recebe o meu sopro, dia após dia, hora após hora, desde o momento em que passam a existir. O homem começa a morrer à partir do momento em que é concebido no ventre da mãe; a árvore começa a apodrecer desde o momento em que seu grão germina. Tu não poderás compreender isso, nunca enquanto trajares estes andrajos que chama de “corpo”, saberás apenas quando for alma. Quando te despojares disso que vestes saberá, ou melhor, lembrará, para mais tarde, quando tomares uma nova carcaça, tornares a esquecer. Não há motivo para temer a mim. Sou eu quem fecha a porta da ignorância e abre a porta do conhecimento. Todos, inclusive tu, tentam entender-me, embora não haja o que entender. Não sou um enigma, apenas sou... a Morte.