A mutação do Lobisomem – parte 1 de 2

Finalmente havia chegado um sábado diferente na vida de Leon: o dia em que sua família inteira se reuniria diante de uma fogueira e contaria histórias ao som do violão de seu tio Carlos. Era o dia de montarem acampamento sobre o solo fofo e estarem em contato físico com a natureza. Mas Leon não parecia empolgado com tal dia. Pelo menos aparentemente.

Jorge, o pai, havia lavado sua caminhonete de cinco assentos no dia anterior, por isso se encontrava exausto caído no sofá, sem o desejo de revê-la novamente até o entardecer daquele fim de semana.

_ Pai, quando vamos partir? _ indagou Nina, a irmã caçula da família. Os olhos azuis cor de safira quase que esbugalhados em demonstração de ansiedade. O vestido branco e liso tinha o bordado de uma flor bem no centro, e por baixo de suas ondulações seus pés eram envoltos pela sandália de muitas voltas.

Jorge fitou-a sorrindo, e respondeu num tom natural:

_ Pegaremos a estrada velha às cinco da tarde, filha. Mas... Por que a pergunta?

Ela deu de ombros.

_ Estou ansiosa para rever o tio Carlos e ouvir suas canções instantâneas. Eu só acho que Leon não parece tão entusiasmado quanto a todos nós.

_ Sim, ele anda bem estranho ultimamente. _ respondeu Jorge, agora sentado no sofá fofo sobre o piso de tacos surrados. _ Chegou até a se isolar de seu grupo de amigos da escola, segundo o diretor.

_ Sim. Ele também quebrou o nariz do Bob e arranhou a as bochechas da Sara.

Jorge, por um momento, entrou em estado de choque e agarrou os dois braços de Nina como que tentando arrancar mais coisas de sua boca.

_ Minha nossa! _ e fez uma pausa curta demonstrando decepção _ Quem lhe disse isso, filha? Fale!

_ Ninguém, papai. _ foi a resposta _ Eu presenteei esta cena com algumas amigas e outros alunos... Aconteceu no pátio do colégio.

Jorge suspirou, e murmurou qualquer coisa que ela não pôde ouvir. Depois soltou seus braços, as marcas pálidas e profundas de seus dedos sumindo na pele amarelada da filha.

_ Vou ter uma conversa séria com seu irmão antes de partirmos. _ sussurrou, furioso, os dentes ligados à mostra em cima da mandíbula, por trás dos lábios envoltos pela barba que começava no cavanhaque. _ Eu não deixei o diretor terminar de me contar o motivo daquela suspensão, e...

Naquele momento, uma figura jovem e meio corcunda passou emburrada como um vulto por detrás da porta de entrada da sala. O que Jorge e Nina avistaram foi um tênis desamarrado, blusa quadriculada de golas finas e um fone de ouvido com as duas saídas de som instaladas em cada orelha, provavelmente ligado a um aparelho de MP3 preso à cintura do jeans desbotado.

_ Leon! Venha já aqui! _ trovejou Jorge, sem se dar o trabalho de despregar o traseiro do sofá confortável.

Não houve resultado.

_ Ele sempre escuta músicas no volume máximo, pai. _ lembrou Nina.

Então ele desistiu, e procurou acalmar-se durante a tarde para, quando todos retornassem do acampamento pudessem ter uma conversa em família.

O entardecer caiu tão rapidamente que nem mesmo Leon, que passara todo o resto de manhã escutando heavy metal percebeu. Ele não era um garoto de conversar aos seus dezesseis anos. Era do tipo misterioso e bastante fechado com a família, isolado dos assuntos cômicos e aproximado de histórias macabras e fantasmagóricas. Ele tinha estranhos hábitos noturnos que, segundo sua versão, era apenas um passeio com os amigos no parque central. A questão era: Quais amigos? Leon era solitário e, na maior parte do tempo, com raiva d mundo, das pessoas que o cercavam, e até mesmo dos objetos que adquiria.

Ana, a mãe, no momento se encontrava em reunião de trabalho, o que impossibilitava sua ida ao acampamento.

Jorge e Nina foram os primeiros a alcançar à garagem, onde a caminhonete de cinco assentos estava estacionada; o brilho intenso alcançando a penumbra escura do lugar empoeirado e reverberando os faróis desligados. Quanto a Leon, se encontrava deitado no gramado verdejante do quintal; os olhos azuis fixados nas nuvens vermelhas da tarde tranqüila; a música exibindo um som violento de guitarras e baterias à voz de um vocalista que, ao invés de cantar, gritava.

_ Filha, procure seu irmão e o alerte que estamos saindo enquanto retiro a caminhonete. _ pediu Jorge da garagem.

Nina concordou com a cabeça e, depois de revirar a casa em busca de Leon, encontrou-o no quintal, como se estivesse produzindo um anjo na neve.

_ Leon... O que você faz aí? _ perguntou, espantada com a solidão do irmão na vastidão da área deserta.

Ele não ouviu a pergunta, mas logo que viu a imagem de Nina o olhando com as sobrancelhas franzidas tirou o fone dos dois ouvidos e desligou o aparelho de MP3.

_ O que foi? _ perguntou, impaciente.

_ Nós já vamos para o acampamento. Papai mandou avisar-lhe para ir para a caminhonete.

_ Droga... _ sussurrou o garoto, imediatamente, para si próprio. _ Ok, já estou indo.

E levantou-se da grama macia, causando fortes passadas até cortar o interior da casa e chegar à caminhonete parada no passeio. Nina se acomodou entre os três assentos traseiros, enquanto Leon franziu o cenho e sentou de mau gosto no banco da frente.

_ Quando chegarmos nós teremos uma conversinha, garoto. _ disse o pai, puxando a engrenagem e ajeitando o pára brisa. A caminhonete começou a andar, o barulho rouco do motor soando do lado externo dos vidros brilhantes.

Leon permaneceu calado durante todo o caminho, enquanto Nina e o pai conversavam sobre assuntos variados, o que não fora nada incômodo ao jovem sentado no assento dianteiro que havia acabado de ligar novamente seu aparelho de MP3.

Como não era uma viajem, o caminho curto logo fora percorrido por completo, e a família estacionou a caminhonete espaçosa numa zona cuja relva abraçava o solo terroso, e, como previsto, os cedros se mostravam em grande quantidade.

Ali eles se instalaram. Coletaram pequenos pedaços de lenha e fizeram uma fogueira no centro de três barracas pequenas. O pessoal de Carlos traria a carne e os espetos para o jantar.

_ São eles! _ gritou Nina, jubilando-se com um sorriso grande no rosto e vendo se aproximar um carro vermelho, ainda pequeno por causa da longitude.

Jorge foi até a beira da estrada com a filha para receber seu irmão Carlos, mas Leon nem se mexeu da pedra em que se encontrava sentado, seus pés cobertos pelo tênis surrado e sempre desamarrado, chicoteando repetidamente contra o chão no ritmo da música.

Chegara o fim do crepúsculo, e a noite se hospedou no céu estrelar. Carlos estacionou o carro ao lado de uma placa ilegível, perto do local onde a sobrinha e o irmão se posicionavam para recebê-lo.

_ Olá! _ cumprimentou o homem calvo, abraçando primeiramente Nina. _ Como vão as coisas?

Depois saíram do carro mais duas pessoas que traziam algo semelhante a maletas de primeiros socorros. Eram Jude, a esposa de Carlos e seu filho Erick, cuja aparência parecia tão desgostosa quanto à de seu primo.

Erick tinha o cabelo carmesim, excesso de espinhas no rosto pálido, e, diferente de Leon, um físico pouco obeso, o que, definitivamente herdara de seus pais. Carlos e Jude também estavam um pouco acima do peso.

Enquanto a família se cumprimentava, os dois jovens se entreolharam, pois Erick havia conseguido uma pedra para si também ao lado da fogueira. Mas não surgiu nenhum aperto de mão, nem sequer palavras. Eram como leões ferozes trocando olhares furiosos.

_ O que tem nessa maleta, tio Carlos? _ indagou Nina.

_ As carnes, minha querida. Vamos comê-las agora, o que acha?

Os diálogos eram como resto de um eco na pequena profundidade onde as cabanas estavam montadas. Os outros se aproximavam sorrateiramente, criando assuntos atrás de assuntos para serem discutidos enquanto caminhavam.

Jorge havia ajudado a trazer as outras três cabanas enquanto Carlos, Jude e Nina encravavam os espetos nas carnes e os deixava sobre o fogo da fogueira no meio da noite escura.

E quando, enfim, todos se reuniram, tio Carlos tirou de sua cabana seu velho e clássico violão de cordas de náilon, começando então suas famosas e divertidas canções. Leon havia sumido ao ver que todos estavam juntos. Ninguém se importara... Afinal, todos sabiam como ele era frio e desagradável.

As horas foram passando, e o fogo da fogueira ficando menos espesso devido à quantidade de vento que de estendia por aquelas bandas. Todos já estavam cheios e sonolentos, e o único desejo que reinava naquele meio era o de alongar o corpo sobre as cabanas aconchegantes. Mas por onde andava Leon? Ora, ele estava sumido há quase três horas, e, mesmo que não estivesse já teria se adentrado em sua cabana. Mas ele também não estava lá.

Todos gritaram seu nome consecutivamente, mas ele não respondera.

_ Ele deve ter se perdido na mata emaranhada. _ falou tio Carlos coçando a mandíbula.

Jorge decidiu-se depois de hesitar:

_ Vou procurá-lo. Fiquem aqui.

_ Não, eu vou com você, Jorge _ era Carlos mais uma vez, tão preocupado quanto o pai do desaparecido. _ Jane toma conta das crianças.

A mulher confirmou com prazer e os dois sumiram na vegetação escura, tentando insistentemente chamar o nome de Leon, cada vez mais alto.

CONTINUA...

GA Marinho
Enviado por GA Marinho em 14/01/2008
Reeditado em 14/01/2008
Código do texto: T817237