HELENA
Fazia uma noite clara , com céu estrelado e uma lua-cheia enorme iluminava as pedras do calçamento das ruas da cidade de Cabedelo , no estado da Paraiba . Cabedelo é uma cidade portuária no extremo oriente do continente sul americano e por conta dessa situação geográfica construíram estrategicamente um porto de grande calado no qual atraca navios de várias partes do mundo , principalmente da América do Norte onde o comércio entre Brasil e Estados Unidos navega a todo vapor . Vários tipos de produtos são transportados ,desde produtos eletroeletrônicos e mecânicos como máquinas que chegam e produtos de caráter agroindustrial que saem do nosso país para os diversos lugares do mundo . Sendo assim, a mistura de nacionalidades na cidade é uma constante e assim , o turismo sexual por parte dos gringos também é uma constante nas noites da cidade . Dessa forma , a prostituição e a malandragem como também a violência urbana é bastante evidente : todos os dias amanhece um ou mais de um boiando nas águas do mar . Geralmente é alguma prostituta ou algum gringo o qual é ensacado e transportado de volta para o país de origem . Quem estiver embarcado não se aventure pelas ruas da cidade de cabedelo a fim de sexo ,porque pode amanhecer numa cova rasa na praia ou boiando no cais do porto .
Zé de Quelé era um negão alto, muito alto e muito forte e feio , muito feio ,trabalhava no porto desde a adolescência . Começou limpando um dos armazéns das docas e logo aprendeu a lidar com a empilhadeira e depois com a grua , uma máquina monstruosa que serve para carregar e descarregar navios que entram e saem do porto . O Zé não era casado e não tinha parente ou qualquer família que conhecesse . Conhecera a mãe , uma negona que lavava e passava roupas e que era muito conhecida nas antigas pela sua valentia . Ela enfrentava qualquer homem na porrada . Zé conheceu apenas ela e por pouco tempo , porque sua mãe morrera de câncer no pulmão devido anos no vício do cigarro . Conhecera só ela e não sabia se tinha pai . A Clementina faleceu quando ele ainda era uma criança e assim se criou no meio da rua enfrentando as mais duras provas de vida até encontrar alguém que o tomou como padrinho . Estava com 28 anos agora e estava vivo graças ao seu padrinho , um senhor gerente de uma das docas do cais , esse também já havia também falecido , mas o deixou trabalhando no armazém em que era gerente . Zé não tinha intenções de se casar ou de se amigar com alguém . Era mais prático lidar com prostitutas do que com namoros . Ele se achava feio demais para alguém o amar . Tinha a sua casa que foi deixada pela genitora e tinha acabado de reformá-la com muito esforço . Estava muito bem assim, pensava ele.
Ao longe , as embarcações ficavam enfileiradas esperando a sua vez de carregar ou de descarregar . Tinha prioridade as cargas perecíveis que saíam para os países europeus e norte americanos e o negão manejava aquela monstruosidade de máquina como se fosse um titã que pegava um enorme container carregado de frutas ou de verduras como um caixote cheio de algodão e no final do dia o negão costumava se arriscar pelas ruas da cidade violenta . Ele já conhecia quase toda a malandragem e quase toda a prostituta que desfilava por entre as noites fervilhantes de canalhas da cidade de Cabedelo , porém essa população era volátil e quase sempre aparecia alguém diferente .
Dentro dos incontáveis bares os idiomas se confundiam e a comunicação que servia era o maldito papel moeda seja em qualquer língua . Zé de Quelé foi se chegando ao balcão para pedir uma gelada e de longe viu uma figura solitária sentada numa mesa nos fundos do bar e olhou para todos os cantos não viu outra mulher desacompanhada e a única era aquela formosura lá no canto a qual ninguém tinha notado . Os olhares se cruzaram e ele pegou a garrafa com dois copos e foi perguntar a moça se queria companhia e um copo :
--- Boa noite , eu estava lá no balcão e vi você sozinha aqui e vim lhe oferecer uma bebida . Você aceita ?
Enquanto ele falava , ela sorriu e disse que sim .
Zé pergunta o nome dela enchendo os copos :
--- Helena - A moça era de uma beleza inconfundível . Ao rir mostrou os dentes alvos e os olhos verdes da cor de esmeralda se iluminaram como o luar que fazia lá fora . Os cabelos Castanho claro lisos e sedosos pareciam uma manta de veludo em contraste com a luminosidade do ambiente . Estava vestindo um vestido azul claro como as vestes da rainha do mar que deixava um decote provocante sob seus fartos seios .
Zé ficou interessado na vida dela:
--- Você é daqui ,gata ? Nunca a vi por aqui .
Helena muito feliz com os olhos cintilantes de vida ,diz :
--- Moro em Santa Rita e esta é a primeira vez que venho em Cabedelo . Vim por curiosidade , porque dizem que é um lugar onde corre muito dinheiro e muitos estrangeiros , mas até agora não encontrei nada melhor do que a sua companhia .
Zé riu e perguntou se ela estava interessada num programa .
Helena diz:
--- Não . Vim mais para me divertir
Zé curioso diz :
--- Você tão bela aqui dando sopa e ninguém lhe viu !?
Helena abriu um largo sorriso e fala rindo:
--- As mulheres bonitas metem medo nos homens . Alguns homens têm medo de se apaixonar .
Zé concordou com a cabeça , pensando nele próprio .
Zé diz :
--- Gostei demais da sua companhia . Vamos sair daqui , Helena . Vamos procurar um local mais calmo ? Que tal a minha casa ? moro sozinho numa casa de frente para o mar .
Helena assentiu com a cabeça e levantou-se levemente como uma princesa que sai da sua alcova . Ninguém olhava para Zé e sua bela companheira a qual passava no meio da confusão de um bar lotado sem levantar um olhar desejoso da parte dos famintos .
O luar estava coberto por uma nuvem carregada ,mas é assim nesses lugares costeiros no qual de uma hora para outra ,por causa da umidade do ar , forma-se uma chuva repentina ou duradoura que atravessa a noite . O vento frio e forte que vinha do leste assanhava os cabelos dos coqueiros e esses por sua vez , em contraste com a negritude , balançavam como espectros ululantes querendo amedrontar a quem já passara por muitas coisas na vida , inclusive a morte como foi o Zé .
Os dois caminhavam pela calçada de paralelepípedo de uma ruazinha mal iluminada . Zé contava sobre sua vida desde que perdeu a mãe e até aquele momento : o trabalho , as suas esperanças e suas vontades . por sua vez , Helena era uma boa ouvinte e calada ficava ouvindo tudo o que ele falava segurando o seu braço . Helena também contou alguns detalhes de sua vida e disse o local onde morava em Santa Rita : perto da Delegacia do lado direito da escola que fica por trás da estação ferroviária ; era professora do ensino primário , mas ganhava muito pouco . Até que enfim chegaram e Zé abre a porta da casa . Os dois entraram cheios de amor para dar um ao outro ...
A noite foi uma criança e o pé-d’água que iniciara na noite anterior ainda perdurava caindo seus pingos agora frágeis sobre o telhado deixava o clima com um gostinho de ficar na cama , mas o trabalho no porto só termina quando acaba . Os containers de perecíveis não podiam esperar e era domingo , dia de folga para muitos ,não para Zé de Quelé o qual tinha esse nome “De Quelé” por conta do nome de sua mãe que era Clementina ,então Zé de Quelementina como diziam os antigos amigos .
Zé ,sem se levantar , lembrou-se da noite passada e procurou alguém que deveria estar ao seu lado com as mãos e nada . Elevou a cabeça e olhou para um lado e para o outro sem vestígios da bela que estivera com ele na noite passada . Pensou : estranho , ela foi embora e eu nem ouvi quando saiu . Será que era uma ladra ? E de um pulo pegou as calças foi aos bolsos e tudo estava em ordem , nada faltava . Procurou também dentro de casa se faltava algo e tudo estava normal como ele havia deixado . Aí ele se lembrou que deveria ir para o porto , porque seu parceiro havia entrado de férias e ele estava trabalhando dobrado , pelos dois . Era só aquele mês que se acabava na segunda-feira seguinte . Tinha mais um dia de suplício e era uma tarefa muito árdua , mas obrigado,porque não tinha ninguém para substituí-lo . Olhou para o tempo chuvoso e viu o céu escuro no alto mar e os navios ancorados aguardando sua vez de descarregar apareciam entre névoas . Fez um café pensando na moça e tomou rápido . Que estranho ela desaparecer no meio da chuva sem levar nada ?! Era uma moça de respeito que podia confiar nela . Nunca que uma mundana qualquer não tivesse feito o rapa na casa ou até mesmo me matado . Zé pensou consigo próprio : preciso ter mais cautela com essas putas ,pois nem todas são como a Helena . procurou o guarda-chuva para sair na chuva e não o encontrou . Ele estava certo de onde o havia deixado, no lugar de sempre , mas não o encontrou e pensou : Foi ela que levou pra não se molhar .
O dia passou com muito trabalho e muitos pensares sobre a Helena e no final do dia ele como de praxe , foi a um barzinho de um velho conhecido, no “happy hour” como os gringos falam ,tomar uma gelada . Não queria companhia e precisava pensar um pouco sobre ela que o impressionara muito .
Tinha uma TV na parede ligada no Jornal da Paraiba terceira edição a qual por insistência da curiosidade lhe pedia atenção onde um repórter falava diretamente da praia de Lucena em edição especial que um cachorro havia farejado um corpo numa cova rasa , possivelmente seria da professora desaparecida há 5 dias e estavam esperando o IML e também os familiares para reconhecer o corpo . O repórter também deu ênfase a um guarda–chuva encontrado sobre o cadáver e quando apareceu a foto da moça morta , Zé de Quelé ficou cinza ,pois o negão não podia ficar branco ou pálido . Era ela e tinha um guarda-chuva sobre o cadáver . Ele pensou : não pode ser . Será que é o meu guarda-chuva? Foi lá para o canto do bar e balbuciou sem nexo : HELENA !