COVARDIA (dedicado aos amigos do terror)
Cristian era calvo, curvado, um jovem velho, nem branco tampouco pardo, na verdade era pálido, opaco, se estivesse num casarão deserto à noite, qualquer um pensaria estar vendo um filme de terror.
O mês de Junho estava nublando, quase todos os dias. Cristian saía muito pouco de casa, mas, para ele ela estava abastecida o suficiente. O entregador de ração dos cachorros, viu pela janela da sala um enorme quadro, onde aparecia a imagem de um homem bem apessoado, com esposa e filha, o rapaz reparou que o homem se parecia com Cristian, provavelmente devia ser algum parente.
Ah! Se soubessem a história de Cristian, entenderiam o porquê daquela aparência de escombro humano. Só estava presente neste plano terreno, por uma insistência cômica de Deus. Ter perdido a mulher da sua vida e, o fruto d'um amor imenso numa tacada só, foi dilacerante e ele não se recuperava, talvez nem quisesse na verdade.
O barco onde a sua Carol estava com a sua risonha Belle, de apenas dois aninhos, fora abalroado por uma lancha cheia de bêbados, as duas não tiveram a menor chance. Eles moravam numa ilha e era habitual, ir e vir da cidade de barco, quando soube da notícia, Cristian morreu junto com elas, só que em vida, nada mais tinha sentido, cor ou sabor, seguia em frente pois não saberia andar de lado ou pra trás.
O mais triste e cruel para Cristian, foi descobrir que o acidente fora fruto de uma aposta entre os rapazes irresponsáveis,. A mais pura covardia, mas, todos eram filhinhos mimados de ricos empresários, a investigação não deu em nada.
Cristian só descobriu que havia sido uma aposta, pois bêbado fala demais e um deles, estava no mesmo armazém em que ele havia ido comprar cigarros e assim, ele acabou ouvindo sem querer.
Pode-se imaginar o ódio que se instalou dentro do peito rasgado de Cristian, só que matá-los ou reabrir o processo, até mesmo escrachá-los na internet, nada disso traria Carol e a sua Belle de volta.
Alguns dirão que ele foi covarde, mas, o que Cristian sentia era uma enorme culpa, por não ter podido protegê-las, o que na sua concepção era sua função primordial, então, definhava, fumava o mundo, pouco se alimentava. O que restava dele, se comparado à foto do quadro exposto na sala, era um negativo embaçado, onde se via um ser fora de foco, que simplesmente havia desistido de viver.