O CADÁVER DO APARTAMENTO 602.

A polícia arrombou a porta do apartamento 602. -"Há dois dias não o vemos." Disse o síndico Adamastor, preocupado. O policial Fernando tapou o nariz. O cheiro era horrível. -"Meu Deus. A casa está fedendo. Não acendam a luz." O delegado Michel abriu as cortinas e a porta da sacada. O cheiro de gás era forte mas havia outro odor estranho, de morte. A cama desarrumada. -"Não há sinais de arrombamento ou roubo. Verifiquem os quartos." Os bombeiros entraram, preparados. Os vizinhos curiosos. Fernando achou um cadáver no banheiro. -"Delegado. Aqui no banheiro." O policial ergueu o gato peludo, duro e morro. -"Morreu pelo cheiro de gás, certamente. O bichinho ficou preso no apartamento." O síndico trouxe um saco de lixo pra colocar o gato. -"Será que sequestraram o Januário?" Perguntou o síndico. O computador estava ligado. -"Site Recanto das Letras. O senhor Januário visitou essa página e deixou o computador ligado. Gostava de contos de terror, pelo visto." Deduziu o delegado. -"Há uma bela estante aqui, uma verdadeira riqueza de livros. Nosso homem é um leitor contumaz e dedicado." A estante era uma preciosidade. O delegado estava boquiaberto. Estavam lá, A Riqueza das Nações, de Adam Smith. A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas. A Ética, de Aristóteles. Crime e Castigo, de Dostoiévski. A Metamorfose, de Kafka. O Amante de Lado Chatterley, de Lawrence. O Príncipe, de Maquiavel. O Capital, de Marx. Gaia Ciência, de Nietzsche. Guerra e Paz, de Tolstoi. Os Miseráveis, de Vitor Hugo. Rei Lear, Hamlet, Romeu e Julieta e Otelo, de Shakespeare. O Cortiço, de Aluísio Azevedo. A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães. Os Lusíadas, de Camões. Balé Branco, de Carlos Heitor Cony. Poesias Completas, de Castro Alves. O Lustre, de Clarice Lispector. O Pagador de Promessas, de Dias Gomes. O Primo Basílio, de Eça de Queiroz. Os Sertões, de Euclides da Cunha. Cartas de Amor, de Fernando Pessoa. Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Iracema e O Guaraní, de José de Alencar. Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto. Dom Casmurro, de Machado de Assis. A Moreninha, de Manuel de Macedo. Meus Poemas Preferidos, de Manuel Bandeira. O Ateneu, de Raul Pompéia. Marília de Dirceu, de Thomas Antônio Gonzaga. A Retirada da Laguna, de Visconde de Taunay. Fausto, de Goethe. A Cidade do Sol, de Campanella. Decameron, de Boccaccio. O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Bronte. -"Eu amo ler mas esse aqui é demais. Tem quase tudo aqui." Disse o delegado, tendo na mão alguns títulos. -"O senhor Januário mora sozinho?!" O síndico respondeu, afirmativamente. Um homem entrou, passando veloz pelo povo amontoado a porta. -"Gente, estou aqui." Ele se ajoelhou e abriu o saco de lixo. -"Garfield! Me perdoa, filho." Januário chorava , segurando o gato morto. -"Tivemos que arrombar a porta. Os vizinhos reclamaram do mau cheiro." Disse o síndico. -"Achamos que tinham sequestrado o senhor. Chamamos a polícia." Januário se recompôs. -"Sai com pressa, fui ver uma tia doente." O delegado foi categórico. -"Poderia ter acontecido uma tragédia. Deixou tudo ligado, o gás, computador. Infelizmente, seu gato foi vítima de seu descuido." Três dias depois, uma viatura veio ao condomínio. O delegado e o policial Fernando foram ao apartamento de Januário. -"Temos um presente, se quiser." Januário sorriu ao ver o gatinho, ainda tentando andar. -"Será que poderia nos emprestar alguns livros?! Tem uma coleção maravilhosa, senhor Januário." Pediu o delegado. -"Empresto com todo prazer, delegado. Ler é maravilhoso." FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 30/01/2023
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